sexta-feira, outubro 28, 2005

Pop de trazer por casa


Para quem cresceu na década de oitenta, a ler a revista Onze, Saint Etienne era o nome de um clube de futebol que equipava de verde aberto, com umas pequenas riscas brancas. As camisolas, cheias de uma publicidade que por cá ainda não chegara, davam um ar distinto ao clube francês. Depois, é sabido, chegou a era da economia terciária e os clubes das cidades industriais iniciaram o seu declínio. Em Inglaterra, o Liverpool nunca mais ganhou um campeonato e, em França, o Saint-Etienne entrou numa lenta agonia. Mas a marca Pop ficou. Estou certo que, hoje, as camisolas número 10 do Platini, pré-Juventus, no Saint-Etienne valem muitos euros e cumprem os requisitos de dress-code da mais exigente e trendy das discotecas europeias.
É verdade que essa é outra história, mas é também o princípio desta história. Por razões que a sociologia marxista terá dificuldades em explicar, o Reino Unido da década de oitenta, em pleno Thatcherismo e na ressaca do Punk, encarregou-se de produzir a melhor música Pop. Assim mesmo: canções orelhudas, despretensiosas, trauteáveis e no limite entre a genialidade e o mau gosto. Dos gramscianos e dançáveis Scritti Polliti, passando pelos Aztec Camera, até aos absolutamente perfeitos Prefab Sprout, o Reino Unido deu-nos o melhor da música para cantarolar. Depois, a linhagem foi definhando e o género caindo em desuso.
Mas é sabido que há sempre alguém que resiste. E assim foi nos anos noventa. Enquanto o indie e o shoegazing se tornavam hegemónicos, uma mão cheia de bandas foi mantendo a chama pop acesa. Os Beautiful South e os Lightning Seeds, por exemplo. Ora o tempo é um agente tramado e a passagem do milénio fez quase desaparecer o fascínio com o pop que resistia desde os anos oitenta e, por arrastamento, levou as bandas. Mas não todas. Os Saint Etienne têm resistido e, como se isso não bastasse, fizeram um novo disco – Tales from turnpike house – que está para o Pop como os passes milimétricos de longa distância do Platini estão para a bola: perfeito e simples.


O disco é Pop. Não tem veleidades, nem pretende ser outra coisa do que aquilo que é. As canções ouvem-se umas a seguir às outras com um sorriso. Querem maior elogio. Pois é música para ouvir por casa, enquanto se dá as primeiras espreguiçadelas e se pensa no pequeno-almoço a tomar. Se procuram um disco para os Domingos de Inverno que se aproximam, pensem neste. Basta ouvir as duas primeiras, ‘sun in the morning’ ou o trauteável ‘milk bottle symphony’, para ficarmos convencidos das virtudes da existência doméstica. Ficar em casa pode ser a melhor coisa do mundo. Este trio londrino está aí para ajudar. PAS
publicado no suplemento SARL do Jornal dos Açores

5 Comments:

Blogger timshel said...

com essas referências todas fiquei convencido

vou amanhã procurar :)

um abraço

12:51 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

os quase famosos, pela conversa toda que têm, vão gostar com certeza de voxtrot! é investigar e ficar de boca aberta.

2:26 da tarde  
Blogger Mary Lamb said...

Muito interessante. Como sempre.

3:57 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

nem nunca os indies e shoegazers se tornaram hegemónicos como não existe "geniais quase a roçar o mau gosto". Música que nos emociona não se traduz em preocupações de "file under...".

ps. nos anos 80, o Saint-Etienne já estava numa longa agonia. Mas no início dos 70 era um dos "grandes" europeus.

um abraço

9:09 da tarde  
Blogger Unknown said...

para mim os Saint Etienne é uma coisa esquisita. os meus amigos detestam invariavelmente, eu adoro. tenho que ouvir este novo.

2:34 da manhã  

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