Na Atlântico do Mês Passado
Sublimes desconhecidos
Tornou-se um inquietante e desagradável mistério constatar que no Portugal musical (jornais, revistas, rádios, saraus, spas) os My Morning Jacket quase não existem. Há um motivo não dispiciendo para este secreto sentimento de escândalo: eles são muito bons. E já o são pelo menos desde 99, ano da edição do primeiro álbum, The Tennessee Fire.
At Dawn, o segundo, foi a confirmação do talento raro destes rapazes de Louisville (Kentucky) na categoria rock-alternativo-cheio-de-influências-country-que-metem-o- -cidadão-a-pensar-na-vida. Canções como Lowdown e The Way That He Sings davam o tom de sublime e poética simplicidade (nessa altura, a marca da banda; ou melhor: a única marca da banda), sem arrojo na produção, e Bermuda Highway era a etérea balada de fazer pele de galinha num porteiro de discoteca.
Às primeiras audições, a voz de Jim faz demasiado lembrar a de Mark Koselek (sim, o anfitrião dos Red House Painters e dos Sun Kil Moon). Tem um timbre parecido. E estende-se nas músicas de uma maneira relativamente semelhante. Mas depois de se ouvir algumas vezes os discos ganha autonomia. Percebe-se que bebeu alguma coisa ali, mas voa sozinha. E de outra maneira.
Omissão inadmissível. Já vamos no quarto parágrafo de um artigo sobre os My Morning Jacket e ainda não foi convocado o nome que - como influência maior, sobretudo sob o ponto da vista da crítica - paira sobre as cabeças dos membros do grupo. Referindo-se aos primeiro discos, há quem convoque de imediato Neil Young para o rotular. E, de facto, o som de guitarra, bateria e baixo e frágil vozinha é quase sempre visitado pelo fantasma inspirador de Young. (Ainda bem que assim é, diga-se).
It Still Moves, o fôlego seguinte, já numa grande editora, é mais do mesmo com um ou outro passo em falso. Tem um óptimo começo pop-rock, de fazer bater o pé no chão - Mahgeetah -, prossegue ao melhor nível com as perfeitas Golden e I Will Sing Your Songs, mas fica prejudicado no conjunto com as arrastadas Masterplan, Easy Morning Rebel, e Run Thru, feitas de monótonas guitarradas a mais e inspiração a menos.
Em Z a cantiga é outra. Depois da saída de dois membros da confraria, a opção tomada foi a de abrir a outros universos a lista de influências. A ideia resume-se assim: quis-se manter o essencial da sonoridade, mas, em cima disso, “fazer algo que se possa dançar ou ouvir quando se regressa a casa de carro” (palavras de Jim James). E essa opção é justificada pelo próprio desta forma quase naïf: “O hip-hop e a soul estão a unir as pessoas neste momento. E eu queria incorporar isso na nossa música”.
A escolha de John Leckie, um nome maior (já trabalhou, por exemplo, com os Pink Floyd, os Stone Roses e os Radiohead) para a produção foi elemento decisivo em tudo isto. Sente-se o verniz por cima da aspereza das canções. É como se os rapazes do kentucky tivessem trocado as vestimentas campestres por sofisticadas fatiotas. O que, após algumas leituras de recensões, parece ter convencido a comunidade melómana.
O relatório dos sintomas. Wordless Chorus, a primeira, podia ser, pela leveza saltitona (toda ela teclas e bateria), a banda sonora para mais um desembarque na Lua. Jim James começa por se pronunciar sobre o que lhe vai na alma de uma forma sóbria e contida, mas, a dada altura, solta os seu angélicos dotes vocais. Até aqui o mymorningjacketiano clássico sente-se em casa. Só depois é que vêm as experiênciais vocais e a coisa se torna mais polémica – a sua voz sola em falseto à maneira de Prince, fazendo lembrar investidas semelhantes de Kurt Wagner, dos Lambchop, e o senhor Beck. Sim, matéria para dividir as nações.
It Beats 4 U é Mercury Rev anotado e recriado. Cançoneta sombria, em crescendo, marcada pela bateria e pelo baixo. Em Gideon, James é o sacerdote que interrompe a missa para recomendar: “Religion – should appeal to the hearts of the young”. What a Wonderful Man aquece o coração de quem segue a banda desde os primórdios. Esta volta à santa terrinha para em 2 minutos e 20 segundos tocar um hino à simplicidade - nas letras e no embalo arockalhado.
Off the Record, um hit à primeira audição, leva o ouvinte a comentar com a família: quem diria que, além das countrylhadas, os My Morning também andaram a ouvir Clash. Óptimo para festarolas, numa sequência que deve incluir, é claro, os Dead 60s. Termina em instrumental, a remeter para "I am the ressurection", dos Stone Roses, e a rematar em suave e psicadélico ambiente de baixo, órgão e caixa de ritmos.
Até ao final do disco, três destaques: Into the Woods, para tocar num carrossel em tarde de namoro, Knot Comes Loose, com bela melodia e instrumentação à Rufus Wainwright (fase Poses), e a última, Dondante, o regresso às sombras da segunda canção. No final de Dondante, épico e ideal para tocar em concertos ao vivo, Jim James grita: “You had me worried! So worried – that this would last/ but now I’m learning – learning that this will pass…”. Sim, o ouvinte também está em viagem. Mas, quando regressa à terra, sente falta do tempo em que a rapaziada só compunha canções simples para corações solitários.
«Z», My Morning Jacket (RCA Records, 2005)
Estranha forma de vício
Há música para dançar. Há música para chorar. Há música para andar de elevador. Há música para ter experiências espirituais ou sexuais. Etc, etc. Por isso, ao ouvir The Campfire Headphase, do duo escocês Mike Sandison e Marcus Eoin, é legítimo colocar-se a pergunta: para que serve a música dos Boards of Canada?
É que o som é híbrido. Nem emociona (directamente) nem é totalmente gélido e vazio. Numa primeira audição, está algures no meio, ainda de uma forma pouco clara. À terceira/quarta vez que roda no leitor, começam as divagações. No refastelanço da cadeira da sala, avançam-se hipóteses: podia ser a banda sonora de uma instalação minimalista. Ou, como diz um amigo em visita, a banda sonora perfeita para filmes artísticos de surf e de skate.
Especulações à parte, The Campfire headphase, o disco que na discografia do grupo se segue a Geogaddi e a Music has the Right to Children, é algo que primeiro se estranha (por não ser nem carne nem peixe). Mas que depois, apesar de não se entranhar, torna-se uma agradável obsessão, algo a que apetece voltar.
Um pouco de pós-rock, um pouco de Kraftwerk, um pouco de Air, um pouco de chillout, um pouco de Brian Eno, o têmpero de umas sampladas. Leva-se tudo ao frigorífico. E eis esta última versão dos Boards of Canada. Não, não é novo. Não, não entusiasma alguns indefectíveis e uma boa parte da crítica. Mas torna-se um vício, um vício estranho. Sobretudo a quarta, Peacock tail. Não perguntem porquê.
«The Campfire Headphase», Boards of Canada (Warp)
Carregar no botão
Digamo-lo assim: Sheffield é a Guimarães da pop electrónica. Enquanto o resto da Inglaterra estava interessado em partir guitarras em palco e em entoar refrões primários contra tudo o que fosse autoridade, a comunidade musical da cidade (a rapaziada mais criativa e menos conformada) tocava nos botões dos sintetizadores para ver até onde iam as suas potencialidades.
Made in Sheffield, o documentário realizado por Eve Wood, pretende recuperar esse momento de afirmação musical desta cidade industrial, vivido entre o final da década de 70 e o princípio dos anos 80. Está lá - quer em imagens de arquivo quer em depoimentos - quase tudo o que é grupo de Sheffield da altura: Human League, ABC, Heaven 17, Vice Versa, Artery, Pulp e Cabaret Voltaire.
Os Cabaret Voltaire aparecem como um dos grupos mais respeitados, por terem levado a sua experimentação sonora até territórios radicais. Eram os que mais arriscavam e a sua atitude vanguardista era seguida como exemplo por bandas muito mais convencionais e bem comportadas. Martyn Whare (dos Human League e dos Heaven 17) admite a dada altura o seguinte: “Eles eram os padrinhos da cena e encorajavam a criatividade em todas as pessoas à sua volta”.
Acompanhamos desde o momento em que os Human League vão ao Top of the Pops (o vocalista Phil Oakey, um dos mais interventivos nas entrevistas, relembra a facilidade e a naturalidade com que as coisas aconteceram) até ao falhanço dos Artery, uma das grandes promessas da altura (reconhecida por John Peel), e dos Extras, a banda mais popular lá do burgo, que acabou “por passar ao lado de uma grande carreira” ao ter escolhido ir para Londres, numa altura em que a imprensa londrina está virada para o que andava a acontecer na cidade do Norte de Inglaterra.
Talvez o mais interessante de Made In Sheffield esteja justamente no facto de Eve ter optado por não excluir os losers da história – e de, ao contar a história do movimento musical de uma cidade inglesa, ter feito o retrato dos rapazes e raparigas que, um pouco por toda a Inglaterra depressiva e fabril, perseguiram – e perseguem - uma ambição no universo da música. Para bem de todos nós, pois.
DVD «Made in Sheffield - The Birth of Electronic Pop», de Eve Wood, Plexifilm
Barulheira Light
O título do álbum pode fazer lembrar a tradução do título de um disco de Clemente, mas estamos perante uma das melhores compilações lançadas em 2005 – e só recentemente encontrada nas lojas portuguesas. Prisoners of Love – a Smattering of Scintillating Senescent Songs 1985-2003, dos Yo La Tengo (“os My Bloody Valentine de New Jersey”, segundo a dona Júlia) é, além do mais, como acontece neste tipo de best of, uma excelente introdução ao trabalho da respeitadíssima e canónica banda da cena indie americana.
Não, eu não começava por Shaker e Sugarcube, demasiado Sonic Youth num registo (noisy) em que os Sonic Youth são mestres imbatíveis, por Stockholm Syndrome, toda ela Belle and Sebastian num registo (límpido) em que os Belle são referências inultrapassáveis, e por Tom Courtenay, Teenage Fanclub sem tirar nem pôr num tipo de som (lá, lá, lá) em que os Teenage são catedráticos.
Ia, por exemplo, logo para Little Eyes, para a versão de You Can Have it All, para Autumn Sweater (remixado por Kevin Shields, o géniozinho dos My Bloody), para Pablo and Andrea (com Georgia Hubley transformada numa Nico para a geração shoegazer e com uma épica e arrepiante guitarra final), para Tears Are In Your Eyes (de chorar, ponto) e para Season of the Shark, melodia ultra-cantorável em dias de melancólico sol. Porque os Yo La Tengo são muito bons e transcendentes é nesse registo levemente dopado, algures entre a barulheira das guitarras e o som de água a correr.
«Prisoners of Love»(2 CD), Yo La Tengo, Matador Records
NCS
Tornou-se um inquietante e desagradável mistério constatar que no Portugal musical (jornais, revistas, rádios, saraus, spas) os My Morning Jacket quase não existem. Há um motivo não dispiciendo para este secreto sentimento de escândalo: eles são muito bons. E já o são pelo menos desde 99, ano da edição do primeiro álbum, The Tennessee Fire.
At Dawn, o segundo, foi a confirmação do talento raro destes rapazes de Louisville (Kentucky) na categoria rock-alternativo-cheio-de-influências-country-que-metem-o- -cidadão-a-pensar-na-vida. Canções como Lowdown e The Way That He Sings davam o tom de sublime e poética simplicidade (nessa altura, a marca da banda; ou melhor: a única marca da banda), sem arrojo na produção, e Bermuda Highway era a etérea balada de fazer pele de galinha num porteiro de discoteca.
Às primeiras audições, a voz de Jim faz demasiado lembrar a de Mark Koselek (sim, o anfitrião dos Red House Painters e dos Sun Kil Moon). Tem um timbre parecido. E estende-se nas músicas de uma maneira relativamente semelhante. Mas depois de se ouvir algumas vezes os discos ganha autonomia. Percebe-se que bebeu alguma coisa ali, mas voa sozinha. E de outra maneira.
Omissão inadmissível. Já vamos no quarto parágrafo de um artigo sobre os My Morning Jacket e ainda não foi convocado o nome que - como influência maior, sobretudo sob o ponto da vista da crítica - paira sobre as cabeças dos membros do grupo. Referindo-se aos primeiro discos, há quem convoque de imediato Neil Young para o rotular. E, de facto, o som de guitarra, bateria e baixo e frágil vozinha é quase sempre visitado pelo fantasma inspirador de Young. (Ainda bem que assim é, diga-se).
It Still Moves, o fôlego seguinte, já numa grande editora, é mais do mesmo com um ou outro passo em falso. Tem um óptimo começo pop-rock, de fazer bater o pé no chão - Mahgeetah -, prossegue ao melhor nível com as perfeitas Golden e I Will Sing Your Songs, mas fica prejudicado no conjunto com as arrastadas Masterplan, Easy Morning Rebel, e Run Thru, feitas de monótonas guitarradas a mais e inspiração a menos.
Em Z a cantiga é outra. Depois da saída de dois membros da confraria, a opção tomada foi a de abrir a outros universos a lista de influências. A ideia resume-se assim: quis-se manter o essencial da sonoridade, mas, em cima disso, “fazer algo que se possa dançar ou ouvir quando se regressa a casa de carro” (palavras de Jim James). E essa opção é justificada pelo próprio desta forma quase naïf: “O hip-hop e a soul estão a unir as pessoas neste momento. E eu queria incorporar isso na nossa música”.
A escolha de John Leckie, um nome maior (já trabalhou, por exemplo, com os Pink Floyd, os Stone Roses e os Radiohead) para a produção foi elemento decisivo em tudo isto. Sente-se o verniz por cima da aspereza das canções. É como se os rapazes do kentucky tivessem trocado as vestimentas campestres por sofisticadas fatiotas. O que, após algumas leituras de recensões, parece ter convencido a comunidade melómana.
O relatório dos sintomas. Wordless Chorus, a primeira, podia ser, pela leveza saltitona (toda ela teclas e bateria), a banda sonora para mais um desembarque na Lua. Jim James começa por se pronunciar sobre o que lhe vai na alma de uma forma sóbria e contida, mas, a dada altura, solta os seu angélicos dotes vocais. Até aqui o mymorningjacketiano clássico sente-se em casa. Só depois é que vêm as experiênciais vocais e a coisa se torna mais polémica – a sua voz sola em falseto à maneira de Prince, fazendo lembrar investidas semelhantes de Kurt Wagner, dos Lambchop, e o senhor Beck. Sim, matéria para dividir as nações.
It Beats 4 U é Mercury Rev anotado e recriado. Cançoneta sombria, em crescendo, marcada pela bateria e pelo baixo. Em Gideon, James é o sacerdote que interrompe a missa para recomendar: “Religion – should appeal to the hearts of the young”. What a Wonderful Man aquece o coração de quem segue a banda desde os primórdios. Esta volta à santa terrinha para em 2 minutos e 20 segundos tocar um hino à simplicidade - nas letras e no embalo arockalhado.
Off the Record, um hit à primeira audição, leva o ouvinte a comentar com a família: quem diria que, além das countrylhadas, os My Morning também andaram a ouvir Clash. Óptimo para festarolas, numa sequência que deve incluir, é claro, os Dead 60s. Termina em instrumental, a remeter para "I am the ressurection", dos Stone Roses, e a rematar em suave e psicadélico ambiente de baixo, órgão e caixa de ritmos.
Até ao final do disco, três destaques: Into the Woods, para tocar num carrossel em tarde de namoro, Knot Comes Loose, com bela melodia e instrumentação à Rufus Wainwright (fase Poses), e a última, Dondante, o regresso às sombras da segunda canção. No final de Dondante, épico e ideal para tocar em concertos ao vivo, Jim James grita: “You had me worried! So worried – that this would last/ but now I’m learning – learning that this will pass…”. Sim, o ouvinte também está em viagem. Mas, quando regressa à terra, sente falta do tempo em que a rapaziada só compunha canções simples para corações solitários.
«Z», My Morning Jacket (RCA Records, 2005)
Estranha forma de vício
Há música para dançar. Há música para chorar. Há música para andar de elevador. Há música para ter experiências espirituais ou sexuais. Etc, etc. Por isso, ao ouvir The Campfire Headphase, do duo escocês Mike Sandison e Marcus Eoin, é legítimo colocar-se a pergunta: para que serve a música dos Boards of Canada?
É que o som é híbrido. Nem emociona (directamente) nem é totalmente gélido e vazio. Numa primeira audição, está algures no meio, ainda de uma forma pouco clara. À terceira/quarta vez que roda no leitor, começam as divagações. No refastelanço da cadeira da sala, avançam-se hipóteses: podia ser a banda sonora de uma instalação minimalista. Ou, como diz um amigo em visita, a banda sonora perfeita para filmes artísticos de surf e de skate.
Especulações à parte, The Campfire headphase, o disco que na discografia do grupo se segue a Geogaddi e a Music has the Right to Children, é algo que primeiro se estranha (por não ser nem carne nem peixe). Mas que depois, apesar de não se entranhar, torna-se uma agradável obsessão, algo a que apetece voltar.
Um pouco de pós-rock, um pouco de Kraftwerk, um pouco de Air, um pouco de chillout, um pouco de Brian Eno, o têmpero de umas sampladas. Leva-se tudo ao frigorífico. E eis esta última versão dos Boards of Canada. Não, não é novo. Não, não entusiasma alguns indefectíveis e uma boa parte da crítica. Mas torna-se um vício, um vício estranho. Sobretudo a quarta, Peacock tail. Não perguntem porquê.
«The Campfire Headphase», Boards of Canada (Warp)
Carregar no botão
Digamo-lo assim: Sheffield é a Guimarães da pop electrónica. Enquanto o resto da Inglaterra estava interessado em partir guitarras em palco e em entoar refrões primários contra tudo o que fosse autoridade, a comunidade musical da cidade (a rapaziada mais criativa e menos conformada) tocava nos botões dos sintetizadores para ver até onde iam as suas potencialidades.
Made in Sheffield, o documentário realizado por Eve Wood, pretende recuperar esse momento de afirmação musical desta cidade industrial, vivido entre o final da década de 70 e o princípio dos anos 80. Está lá - quer em imagens de arquivo quer em depoimentos - quase tudo o que é grupo de Sheffield da altura: Human League, ABC, Heaven 17, Vice Versa, Artery, Pulp e Cabaret Voltaire.
Os Cabaret Voltaire aparecem como um dos grupos mais respeitados, por terem levado a sua experimentação sonora até territórios radicais. Eram os que mais arriscavam e a sua atitude vanguardista era seguida como exemplo por bandas muito mais convencionais e bem comportadas. Martyn Whare (dos Human League e dos Heaven 17) admite a dada altura o seguinte: “Eles eram os padrinhos da cena e encorajavam a criatividade em todas as pessoas à sua volta”.
Acompanhamos desde o momento em que os Human League vão ao Top of the Pops (o vocalista Phil Oakey, um dos mais interventivos nas entrevistas, relembra a facilidade e a naturalidade com que as coisas aconteceram) até ao falhanço dos Artery, uma das grandes promessas da altura (reconhecida por John Peel), e dos Extras, a banda mais popular lá do burgo, que acabou “por passar ao lado de uma grande carreira” ao ter escolhido ir para Londres, numa altura em que a imprensa londrina está virada para o que andava a acontecer na cidade do Norte de Inglaterra.
Talvez o mais interessante de Made In Sheffield esteja justamente no facto de Eve ter optado por não excluir os losers da história – e de, ao contar a história do movimento musical de uma cidade inglesa, ter feito o retrato dos rapazes e raparigas que, um pouco por toda a Inglaterra depressiva e fabril, perseguiram – e perseguem - uma ambição no universo da música. Para bem de todos nós, pois.
DVD «Made in Sheffield - The Birth of Electronic Pop», de Eve Wood, Plexifilm
Barulheira Light
O título do álbum pode fazer lembrar a tradução do título de um disco de Clemente, mas estamos perante uma das melhores compilações lançadas em 2005 – e só recentemente encontrada nas lojas portuguesas. Prisoners of Love – a Smattering of Scintillating Senescent Songs 1985-2003, dos Yo La Tengo (“os My Bloody Valentine de New Jersey”, segundo a dona Júlia) é, além do mais, como acontece neste tipo de best of, uma excelente introdução ao trabalho da respeitadíssima e canónica banda da cena indie americana.
Não, eu não começava por Shaker e Sugarcube, demasiado Sonic Youth num registo (noisy) em que os Sonic Youth são mestres imbatíveis, por Stockholm Syndrome, toda ela Belle and Sebastian num registo (límpido) em que os Belle são referências inultrapassáveis, e por Tom Courtenay, Teenage Fanclub sem tirar nem pôr num tipo de som (lá, lá, lá) em que os Teenage são catedráticos.
Ia, por exemplo, logo para Little Eyes, para a versão de You Can Have it All, para Autumn Sweater (remixado por Kevin Shields, o géniozinho dos My Bloody), para Pablo and Andrea (com Georgia Hubley transformada numa Nico para a geração shoegazer e com uma épica e arrepiante guitarra final), para Tears Are In Your Eyes (de chorar, ponto) e para Season of the Shark, melodia ultra-cantorável em dias de melancólico sol. Porque os Yo La Tengo são muito bons e transcendentes é nesse registo levemente dopado, algures entre a barulheira das guitarras e o som de água a correr.
«Prisoners of Love»(2 CD), Yo La Tengo, Matador Records
NCS
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