39 Beacon Blue Pl.
Não faz parte do meu panteão. Pelo menos, não sobe ao patamar de importância de um Dylan, de um Miles, de um Bowie, de um Caetano Veloso ou de um Leonard Cohen. Mas está logo a seguir, na mesma prateleira que David Sylvian, Frank Zappa, Hank Williams, Peter Hammill, Neil Young, Brian Eno, Neil Hannon e mais uns tantos.
De Tom Waits gosto de tudo. Não porque todos os seus discos sejam grandes discos – assim de repente, lembro-me de alguns menos extraordinários, como o primeiro Closing Time (leve, demasiado leve), Frank Wild Years (muito Weilliano para o meu gosto), One from the Heart ou os últimos Alice e Blood Money – mas, porque em todos eles sem excepção se respira o ar contaminado por um pecado carregado de dignidade – discos bêbados e desconsolados, na primeira fase (à qual chamo a fase Edward Hopper); discos teatrais, estranhos e cacofónicos, na segunda.
Waits distingue-se musicalmente por ser um inovador que parte dos géneros da grande tradição americana - o jazz, o songbook, o blues, o country - para algo de que quase só ele é capaz, e distingue-se liricamente pela capacidade de criar personagens, ambientes e lugares, peças de uma neverending story da low life na América.
Destaco os lugares. Os lugares são importantes na obra de Tom Waits. Os seus discos são, também, discos de lugares: da Nova Iorque onde vive à Califórnia onde nasceu, toda a América - a real e a que acontece na sua cabeça – é sónica e poeticamente percorrida, transmitindo a quem ouve sensações que apenas in loco seria espectável experimentar: o frio gelado de uma estrada do Wisconsin, a tristeza das ruas e avenidas desoladas na madrugada, a ressaca num motel bera, a fome que é morta numa roullote em Malibu, o cheiro agonizante de uma qualquer imunda Chinatown, as saudades da New Orleans onde nunca se esteve, o bebop mal pago que sai das portas da Rua 42, a frustração num bordel da downtown de Mineapolis, a magia da Las Vegas que não existe, um beco no Harlem, a solidão numa bomba de gasolina ou a desesperança numa doca pouco iluminada. Lugares incógnitos em Estados esquecidos, qualquer sítio onde haja bourbon ou rum para ajudar a esquecer que o dia seguinte é apenas um dia a mais para queimar. É o sonho americano virado do avesso - a América como ela também é.
No mês que começa depois de amanhã, será lançado o novo disco de Tom Waits. Não sei (embora duvide) se o que aí vem está ao nível de um Heartattack and Vine, de um Raindogs ou de um Bone Machine. Mas mau não é de certeza. Desta vez parece que não teremos direito ao piano que andou a beber, mas não faltará a voz de um Louis Armstrong funky inspirada pelos espíritos encruzilhados de Cole Porter e Captain Beefheart.
ENP
De Tom Waits gosto de tudo. Não porque todos os seus discos sejam grandes discos – assim de repente, lembro-me de alguns menos extraordinários, como o primeiro Closing Time (leve, demasiado leve), Frank Wild Years (muito Weilliano para o meu gosto), One from the Heart ou os últimos Alice e Blood Money – mas, porque em todos eles sem excepção se respira o ar contaminado por um pecado carregado de dignidade – discos bêbados e desconsolados, na primeira fase (à qual chamo a fase Edward Hopper); discos teatrais, estranhos e cacofónicos, na segunda.
Waits distingue-se musicalmente por ser um inovador que parte dos géneros da grande tradição americana - o jazz, o songbook, o blues, o country - para algo de que quase só ele é capaz, e distingue-se liricamente pela capacidade de criar personagens, ambientes e lugares, peças de uma neverending story da low life na América.
Destaco os lugares. Os lugares são importantes na obra de Tom Waits. Os seus discos são, também, discos de lugares: da Nova Iorque onde vive à Califórnia onde nasceu, toda a América - a real e a que acontece na sua cabeça – é sónica e poeticamente percorrida, transmitindo a quem ouve sensações que apenas in loco seria espectável experimentar: o frio gelado de uma estrada do Wisconsin, a tristeza das ruas e avenidas desoladas na madrugada, a ressaca num motel bera, a fome que é morta numa roullote em Malibu, o cheiro agonizante de uma qualquer imunda Chinatown, as saudades da New Orleans onde nunca se esteve, o bebop mal pago que sai das portas da Rua 42, a frustração num bordel da downtown de Mineapolis, a magia da Las Vegas que não existe, um beco no Harlem, a solidão numa bomba de gasolina ou a desesperança numa doca pouco iluminada. Lugares incógnitos em Estados esquecidos, qualquer sítio onde haja bourbon ou rum para ajudar a esquecer que o dia seguinte é apenas um dia a mais para queimar. É o sonho americano virado do avesso - a América como ela também é.
No mês que começa depois de amanhã, será lançado o novo disco de Tom Waits. Não sei (embora duvide) se o que aí vem está ao nível de um Heartattack and Vine, de um Raindogs ou de um Bone Machine. Mas mau não é de certeza. Desta vez parece que não teremos direito ao piano que andou a beber, mas não faltará a voz de um Louis Armstrong funky inspirada pelos espíritos encruzilhados de Cole Porter e Captain Beefheart.
ENP
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