O maravilhoso mundo de LCD Soundsystem
Jamaica, anos 50. Nas ruas de Kingston, dança-se ao som da música saída de pequenas unidades móveis que circulam pela cidade, discotecas ambulantes conhecidas por Sound Systems, que reproduzem os êxitos importados da América. Foi assim que nasceu o ska. E foi a partir deste que se desenvolveu o dub, o qual, anos mais tarde, desembarcaria em Inglaterra para contaminar o punk.
Colónia, 1969. Os Can, um grupo de rapazes com uma apreciável educação musical, admiradores de Karl Heinz Stockhausen e do psicadelismo britânico que então dava cartas, lançam Monster Movie numa limitadíssima edição. Quase todos aqueles que conseguiram pôr as mãos num dos 500 exemplares, formaram de seguida a sua banda. Com Monster Movie, uma espécie de versão teutónica de Velvet Underground & Nico, estava oficialmente aberta a profícua estrada do krautrock, sem a qual a música dos anos 90 teria tido metade do interesse que teve.
Universo, 1973. Goste-se ou não (eu gosto), a importância de The Dark Side of the Moon está muito para além dos recordes batidos em tabelas discográficas. A pop, sem querer fazer-se passar por erudita, pode ter mais de três acordes.
Londres, 1977. Os Clash - cujo nome se deve às famosas batalhas sonoras entre sound systems jamaicanos, as sound clashes -, incluem no seu primeiro disco o clássico reggae de Junior Murvin/Lee Perry, Police and Thieves. O punk passou a querer-se 'dançável'.
Nova Iorque, finais de 70/inícios de 80. Se o punk também deve servir para dançar, porque não fazer dele punk-funk. Os Talking Heads juntam atitude e energia tribais com conceptualismo intelectual, e, guiados pela bússola de Brian Eno, criam quatro enormes álbuns que definem toda uma época e influenciam as que se seguem. Ao mesmo tempo, no mesmo local, e igualmente sob a tutela sonora de Brian Eno, surge No New York - o manifesto inaugural da no wave.
Manchester, 1983. Na capital da depressão, Mark E. "The Fall" Smith lança Preverted by Language. Não é de todo preciso saber-se cantar para fazer um grande disco.
Detroit, anos 80. Mais do que da tentativa de encontrar a alma da máquina, o techno minimalista da Motown nasceu da contingência de ter que fazer música funk a partir de sintetizadores baratos.
Mundo, anos 90. O dub, originado nos sound systems jamaicanos, alastra-se a muita da música que vai sendo feita: do trip-hop ao jungle, da house ao techno, por quase toda a música electrónica, de Viena a Bristol, de Berlim a Tóquio, de Paris a Los Angeles. A sua influência é tão vasta que chega até a atingir personagens muito pouco prováveis como, imagine-se, Tom Waits (ouvir Sins of my Father do último Real Gone).
Nova Iorque, anos 00. Uma onda de revivalismo das correntes punk e no wave de finais de 70/inícios de 80 toma conta da cidade, para de seguida tomar conta do mundo. Vários são os grupos que surgem inspirados pelos Television, Suicide, e companhia. A Indústria não perde tempo e reedita os fundos de catálogo desse período áureo da pop, ao mesmo tempo que lança para o mercado inúmeras colectâneas. De repente, toda a gente gosta de Gang of Four, Liquid Liquid, D.N.A., A Certain Ratio, etc., etc., etc....
O futuro passou, definitivamente, a morar no passado.
Lisboa, hoje. A pequena súmula acima relatada toma forma no som que sai das colunas da minha aparelhagem. A tocar está Lcd Soundsystem, o sound system de James Murphy, americano, 34 anos de idade.
Pertence, tal como eu, à geração de 70. Cresceu, como eu, a ouvir música pop. Com a mesma atitude, de quem, à partida, não exclui nada. Se toca, dá para ouvir. Se dá para ouvir, ouve-se. Se se gosta, melhor; se não, paciência, passa-se ao próximo. Durante anos, ouviu tudo o que o tempo permitiu ouvir, e o resultado está à vista. Em Lcd soundsystem, James Murphy cita aquilo de que mais gosta, que calha também ser muito daquilo de que eu mais gosto. É uma viagem pela sua - que é também a minha - história da música pop.
Talvez seja só por isso que este disco me soa tão bem.
ENP
Colónia, 1969. Os Can, um grupo de rapazes com uma apreciável educação musical, admiradores de Karl Heinz Stockhausen e do psicadelismo britânico que então dava cartas, lançam Monster Movie numa limitadíssima edição. Quase todos aqueles que conseguiram pôr as mãos num dos 500 exemplares, formaram de seguida a sua banda. Com Monster Movie, uma espécie de versão teutónica de Velvet Underground & Nico, estava oficialmente aberta a profícua estrada do krautrock, sem a qual a música dos anos 90 teria tido metade do interesse que teve.
Universo, 1973. Goste-se ou não (eu gosto), a importância de The Dark Side of the Moon está muito para além dos recordes batidos em tabelas discográficas. A pop, sem querer fazer-se passar por erudita, pode ter mais de três acordes.
Londres, 1977. Os Clash - cujo nome se deve às famosas batalhas sonoras entre sound systems jamaicanos, as sound clashes -, incluem no seu primeiro disco o clássico reggae de Junior Murvin/Lee Perry, Police and Thieves. O punk passou a querer-se 'dançável'.
Nova Iorque, finais de 70/inícios de 80. Se o punk também deve servir para dançar, porque não fazer dele punk-funk. Os Talking Heads juntam atitude e energia tribais com conceptualismo intelectual, e, guiados pela bússola de Brian Eno, criam quatro enormes álbuns que definem toda uma época e influenciam as que se seguem. Ao mesmo tempo, no mesmo local, e igualmente sob a tutela sonora de Brian Eno, surge No New York - o manifesto inaugural da no wave.
Manchester, 1983. Na capital da depressão, Mark E. "The Fall" Smith lança Preverted by Language. Não é de todo preciso saber-se cantar para fazer um grande disco.
Detroit, anos 80. Mais do que da tentativa de encontrar a alma da máquina, o techno minimalista da Motown nasceu da contingência de ter que fazer música funk a partir de sintetizadores baratos.
Mundo, anos 90. O dub, originado nos sound systems jamaicanos, alastra-se a muita da música que vai sendo feita: do trip-hop ao jungle, da house ao techno, por quase toda a música electrónica, de Viena a Bristol, de Berlim a Tóquio, de Paris a Los Angeles. A sua influência é tão vasta que chega até a atingir personagens muito pouco prováveis como, imagine-se, Tom Waits (ouvir Sins of my Father do último Real Gone).
Nova Iorque, anos 00. Uma onda de revivalismo das correntes punk e no wave de finais de 70/inícios de 80 toma conta da cidade, para de seguida tomar conta do mundo. Vários são os grupos que surgem inspirados pelos Television, Suicide, e companhia. A Indústria não perde tempo e reedita os fundos de catálogo desse período áureo da pop, ao mesmo tempo que lança para o mercado inúmeras colectâneas. De repente, toda a gente gosta de Gang of Four, Liquid Liquid, D.N.A., A Certain Ratio, etc., etc., etc....
O futuro passou, definitivamente, a morar no passado.
Lisboa, hoje. A pequena súmula acima relatada toma forma no som que sai das colunas da minha aparelhagem. A tocar está Lcd Soundsystem, o sound system de James Murphy, americano, 34 anos de idade.
Pertence, tal como eu, à geração de 70. Cresceu, como eu, a ouvir música pop. Com a mesma atitude, de quem, à partida, não exclui nada. Se toca, dá para ouvir. Se dá para ouvir, ouve-se. Se se gosta, melhor; se não, paciência, passa-se ao próximo. Durante anos, ouviu tudo o que o tempo permitiu ouvir, e o resultado está à vista. Em Lcd soundsystem, James Murphy cita aquilo de que mais gosta, que calha também ser muito daquilo de que eu mais gosto. É uma viagem pela sua - que é também a minha - história da música pop.
Talvez seja só por isso que este disco me soa tão bem.
ENP
4 Comments:
Fantástico post.
Fantástico post.
És um parvo!
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