A culpa é das donas
Dois CD’s novos ainda no saco: Waiting for the Sirens’ Call, dos New Order, e Guero, de Beck. O que é que se deve ouvir primeiro? O melómano está indeciso. Sente-se o filho do Nené na altura da mudança de partido. O Freitas do Amaral no momento da mudança de sexo. Não sabe qual a escolha a fazer. E, como é normal quando se tomam as grandes decisões para as nossas vidas, isso angustia-o muito.
O melómano lembra-se dos seus deveres. Sabe que devia começar pelo álbum dos New Order. Por uma questão de respeito. De reverência. Ouvir hoje os New Order é como fazer uma visita a uma tia-avó que nos deu conselhos fundamentais na adolescência. Que, sentadinha na sua poltrona de veludo, nos disse com toda a serenidade do mundo se devíamos incendiar o carro da professora de Geografia ou sequestrar o professor de História. Mas o melómano sabe que vai sofrer se não gostar nem um bocadinho daquilo que os manchesterianos honorários andam a fazer. (O que o conforta minimamente é ter ouvido a conversa entre a dona Carmelinda e a dona Lubélia sobre o disco: «Estão melhores, bem melhores! E aquele rapaz, o Bernard, sabes, o filho da Maria Adelina e do Zé Bento, continua um pão»).
Com o Beckzinho está mais descansado. O rapazola nunca o desiludiu. Mesmo no último, o álbum das baladas, capaz de fazer chorar qualquer um. Há quem diga que até Putin foi apanhado em lágrimas enquanto, no silêncio do seu gabinete no Kremlin, entoava o Lost Cause. O melómano resolve então armar-se em Francisco Assis a entrar em Felgueiras. Pode levar pancada da população inteira, pode perder os óculos, pode apanhar umas bofetadas na fronha, mas vai ser homenzinho suficiente para tirar o álbum dos New Order do saco. Ai, vai, sim senhor.
(Pausa de 56, 53 minutos). Caos. Tragédia. Horror. Albarran, regressa que és necessário. Traz um médico também. Uma equipa de médicos, aliás. De todas as especialidades. Psiquiatras, cirurgiões, até gente que domina a ortodontia. O melómano está deitado no chão do escritório e sofre de todo o tipo de sintomas. Confirma-se. O álbum é mesmo fracote. Ou é mediano - o que no caso dos New Order quer dizer fracote.
O pior é que carregou sem querer no repeat. Teme não conseguir sobreviver à sequência Who’s Joe?, Hey Now What You Doing e Waiting for the Sirens Call. Uma das sequências iniciais mais chochas de que se lembra. Musiquinhas que nada acrescentam. Com refrões entre a chatice e a pirosice. É que nem o baixo saltitante de Peter Hook as salva. Ajudem o melómano, por favor. Mais soro - que este não basta.
Chega krafty, a quarta, e ele volta a respirar – não é o melhor New Order mas ouve-se. Abre os olhos, mas não por muito tempo. Fecha-os logo a seguir, para uma soneca. (O que não deixa de ser muito grave. Já viram o que é adormecer quando se vai visitar a tia-avó ao lar?) Ainda é acordado pela engraçaducha Jetstream, com a participação de Ana Matronic, dos Scissor Sisters. Mas rapidamente volta à valsa do ressono.
A historieta chega ao fim quando o melómano, ao fim de umas quantas horas, consegue levantar o corpanzil do chão e meter a tocar o disquinho do rapaz Beck. Isso mesmo: é ao som da rufienta Qué Onda Guero que sai de casa para ir tirar satisfações com a dona Carmelinda e a dona Lubélia. NCS
(texto publicado no Domingo no jornal A Capital)
6 Comments:
e que tal variar e criticar o novo do DJ DOLORES "APARELHAGEM"? ele é muito mais quase famoso que os NEW ORDER. obrigado e parabens pelo blog.
Caro Duarte,
Tem - ou tens - razão. Só que não tenho o disco - fiz agora uma pesquisa na net e identifiquei-o. É brazuca, não é? Onde é que se arranja?
olá Nuno,o disco que mencionei é bem fácil de encontrar. eu por exemplo comprei na Fnac (que até estava em destaque).
Sim o DJ DOLORES é brasuca mais precisamente do recife.
O disco que saiu á pouco tempo é o 2º disco dele e na minha opinião é bastante criativo e inovador. nestes dias em que a musica electronica tambem sofre de uma crise, este disco é um achado! o tal brasuca consegue uma mistura perfeita com ingredientes. sendo a "musica tradicional nordestina do brasil" o ponto forte, serve de acompanhamento o dub, o rock, etc..enfim aqueles ingredientes habituais para uma boa salada. louvar é o facto de conseguir sair inovadora. cumprimentos
Caro Duarte,
Obrigado. Se calhar passo pela FNAC ainda hoje.
caro NCS as suas crónicas de Domingo serão dignas de compilação em livro, ou tresmalhando-se a arte noutros palcos, adaptadas ao teatro, e melhor ainda ao novo cinema português. Espero eu.
Nem de propósito: soube-se esta semana que os New Order se vão estrear este ano em Portugal. Em Maio.
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