O polémico lá, lá, lá
O novíssimo dos Go-Betweens devia ser tema do Fórum TSF. Ou então do Antena Aberta – o programa que ouço durante o duche (portanto, de duas em duas semanas). Ou ainda do fórum da Rádio Popular – talvez o mais completo e informado de todos. Segundo me é dado perceber, Oceans Apart está a dividir a humanidade. Uns gostam muito. Outros nem tanto. Outros até acham que é assim a puxar para o mauzinho. Presumo que só o cidadão Sá Fernandes está na dúvida. Imagino-o a matutar, entre serrados de papéis, se há ou não motivos sérios para embargar a obra.
Percebo quem tem reservas. É fácil torcer a narigueta perante o segundo tema (ou faixa ou canção ou o que quiserem) do álbum. Tem uns acordes iniciais à REM (faceta mais lamechas) e depois segue a via aparentemente simples e gratuita do “lá, lá, lá” (não confundir com a via sinuosa do “li, ló, lai”). O “lá, lá, lá” (implícito) de Finding You pode assustar o go-betweeniano mais conservador, se quisermos. Porque é bastante mais assumido do que o “lá, lá, lá” de álbums anteriores - que se soltou sem complexos já em 16 Lovers Lane. O mesmo se pode dizer do “lá, lá, lá” (explicíto) do início de This Night’s for You e do “lá, lá, lá” (explícito também) do final de The Moutains Near Dellray, a última canção.
Eu próprio tenho de assumir as minhas dúvidas. As minhas neblinas de inquietação (sim, provavelmente, o título do novo de Lídia Jorge). Já desdenhei do disco. Já o quis comprar. Já o quis levar para uma ilha deserta. Já o quis mandar do quarto sem elevador onde vivo. Já o quis ir buscar lá abaixo. (Não estou sozinho nesta variação de humores; o Nuno Sousa, há uns tempos, no blogue Barnabé, também confessou a confusão de sentimentos). E aqui estou para vos contar as minhas conclusões, sob a forma de uma frase algo complexa (admito): gosto do disco. Não consigo deixar de dizer isto, agora que estou a ouvir a comovente e perfeita baladucha No Reason to Cry.
Repito a declaração esotérica: gosto do disco. Porquê, ó Costa Santos?, pergunta o arrumador do meu bairro. Simples, meu caro Fernando. Porque tem demasiadas canções boas para um tipo estar aqui com coisas. Não, não é só a pessoal e intransmissível No Reason to Cry. É também a anterior, Born to a Family (a minha preferida), Boundary Rider (a fazer lembrar as suaves investidas a solo de McLennan), a Darlinghurst Nights (com o trágico Forster na narração), a cançoneta-borboleta The Statue e mesmo a já referida The Mountains Near Dellray.
Aos Go-Betweens perdoa-se tudo. Até o uso de Brise nas casas de banho. Até o apoio a Avelino Ferreira Torres. Até a compra da revista Choque. Até a escrita de uma crónica de música como esta. E, apesar de tudo, este mundo cínico está a precisar de um certo “lá, lá, lá”. Eu já mandei vir o meu da Amazon – diz que agora há uma promoção. Até os Rammstein estão a pensar encher as suas vidas de “lá, lá, lás”. A minha vizinha de baixo devia seguir o exemplo. Aliás, vou-lhe já passar este suspiro dos australianos. NCS
(publicado ontem no jornal A capital)
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