segunda-feira, outubro 25, 2004

“Um cara oblíquo”

("Some may like a soft brazilian singer
But I've given up all attempts at perfection")
Caetano veloso, Estrangeiro



Não foi o melhor Caetano, o de ontem à noite no Pavilhão Atlântico. Esteve mesmo longe de ser o melhor Caetano e o Pavilhão Atlântico deveria ser interditado enquanto espaço para concertos. Mas, dito isto, foi, como sempre são os concertos do Caetano, um espectáculo oblíquo (para utilizar uma expressão do próprio, a propósito de si mesmo). Assim, como quem traça uma diagonal através das canções – das suas e das dos outros – para depois as virar do avesso, desmascarando-as. “Foreign Sound”, o disco, é isso que faz. Duas mãos cheias de canções do American Songbook, que Caetano faz suas (do mesmo modo que há pouco mais de dez anos havia feito em Fina Estampa com as canções da América outra), deslizando por cima de todas elas a suavidade que tem sido a sua imagem nos últimos anos. Isto é mau? Não, não é. Mas é desequilibrado. Desequilibrado por, por exemplo, ao contrário de Fina Estampa, termos as músicas muito presentes noutras interpretações e desequilibrado porque nem de tudo Caetano se apropria bem (é paradoxal que no concerto um dos temas que tenha funcionado melhor, tenha sido precisamente um dos que funciona pior no disco, o “Alright ma” do Bob Dylan).
Mas, claro que o concerto teve grandes momentos. O Estrangeiro, que não sendo uma música dali é das que mais ajuda a ler e a ouvir a interpretação que Caetano faz das músicas que cantou e até mesmo o “Love me tender”, já no encore, num sentimentalismo arrebatado. De resto, tudo certinho, pontuado aqui e além por uma vontade de sair daquele lugar – daí o Arto Lindsay e a sua no-wave do início dos anos oitenta? – mas, um concerto excessivamente preso à doçura. O Caetano meloso, que é dos poucos cantores que consegue ser sentimental, suave e ainda assim cheio de qualidade, foi isso que se viu ontem no Pavilhão Atlântico. Como que para provar que, ao contrário do que cantava há quinze anos, não desistiu das tentativas de chegar à perfeição. Ou se calhar as coisas devem ser todas vistas do avesso e, ainda, do revesso. Ou feitas desse modo, como no relativamente desprezado, mas muito bom, disco com Jorge Mautner. De um modo oblíquo. PAS