O Egas e o Beck*
Sim, eu sei que o vocês queriam era que eu fizesse uma análise erudita do hino do PSD. Ou então que vos dissesse que os My Bloody Valentine estão enfiados num estúdio a gravar a sua versão noisy de Guerreiro Menino, a já mítica banda sonora da Era Santana. Eu sei que vocês queriam era que eu vos informasse que Marques Mendes, no seu estilo pequeno-saltitão, foi chamado para substituir Bez nos concertos dos Happy Mondays.
Mas não. Não vou por aí – embora tenha ouvido na bicha para o multibanco que é tudo verdade, verdadinha. Façamos antes outra coisa. Voltemos a aterrar no final do texto da semana passada. Assim na maluca. Lembram-se? Depois de ter sido atacado por todas as doenças elencadas nas emissões da TV-Saúde, saí de casa para ir tirar satisfações com as donas que me levaram a sonhar que o último álbum dos canónicos New Order valia mesmo a pena.
Sobre o desenlace do episódio só tenho a anotar o seguinte: não sabia que a dona Carmelinda e a dona Lubélia tinham trocado as reuniões na igreja por um workshop da Junta intitulado Kick Boxing para a Terceira Idade. Para evitar mais humilhações, falemos, finalmente, de música. Do último álbum do Beck - que, se tivesse tido juízo na mioleira, devia ter ouvido primeiro do que a chatice dos últimos New Order. Bronco.
(Nota importante para quem chegou até aqui: o João Lisboa não gostou nada deste álbum. Explicou as razões no Expresso da semana passada. Eu vou cometer a heresia de contrariar a opinião dessa espécie de Harold Bloom da música alternativa. O que me vai custar imenso. Percebo, portanto, quem queira ficar por aqui). O álbum é muita bom. O João Lisboa não percebe nada disto. Guero é mais uma rambóia criativa do rapazito californiano que tem a mania irritante de lançar obras-primas como Odelay. O que é notável para alguém que disse adeus à vida de solteirão - e inclusivamente passou a ser um, responsabilidade das responsabilidades, progenitor encartado.
E-Pro, a primeira, é capaz de meter até a Manuela Ferreira Leite a dançar. Podia falar da energia da bateria. Prefiro, em vez disso, chamar a atenção para este facto do nosso tempo: já não se ouvia uma guitarrada tão ritmada desde aquele passanço épico de António Carrapatua, guitarrista residente na Taberna do Fadista Vadio (ali em Alfama). Depois vem Qué Onda Guero, talvez a minha preferida - com uma instrumentação do tipo Up Bustle and Out em viagem por terriolas da América latina. É tão boa. Só de ouvi-la dá vontade de sair pelas ruas a assaltar.
Hell Yes é um rapzinho bem sacado que consegue a mais improvável das proeza: juntar, a partir de certa altura, o som dos Chemical Brothers com uma gaita de beiços. Broken Drum é uma baladinha etérea à Sea Change. Scarecrow é típico Beck. Como hei-de dizer?: música para descer a rua com estilo e um cigarrinho no canto da boca. Não perceberam? Eu também não. Ouçam, portanto. Rental Car parece um tema que ficou em carteira desde a altura de Midnite Vultures. Got it Alone e Farewell Ride, essas, têm um ambiente entre o blues e os espirituais negros e sei lá mais o quê. Mas o melhor é ficar por aqui. Porque com este Beck é tanta a misturada que um gajo nunca sabe o que é que está a ouvir.NCS(texto publicado no Domingo no jornal A Capital)
*mero trocadilho inconsequente que o autor do texto achou por bem fazer
3 Comments:
o disco é mesmo muito bom. Música sem preconceitos do sec XXI.
Será que te começo a chatear se disser que estas crónicas são muito importantes para a importantíssima escrítica pop (um género literário ainda com poucos anos, e por definição sempre actual).
Adaptem-te ao cinema! (de animação por exemplo)
O último do Jack Johnson! Isso sim.
É bom demais.
Cumprimentos
Faz antes uma análise à galeria de imagens dos concorrentes ao festival da canção, isso é que é cultura.
abraços
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