Vão dar uma curva
Cada música tem o seu espaço próprio de audição. Beck é para ouvir no i-pod, enquanto se desce a Morais Soares. Robbie Williams é para ouvir no Holmes Place da avenida da Liberdade. Richard Clayderman é para ouvir nos lavabos de um centro comercial em Corroios.
Há música que se só deve ouvir no carro. Quer dizer, pode-se ouvir no duche, na cozinha ou numa sauna gay – mas não tem a mesma força, o mesmo efeito. O álbum Nação Hip-Hop 2005 é para ouvir no carro. De preferência, num descapotável.
É claro que, apesar de estar a generalizar que nem um intelectual cheio de certezas na pastinha, falo sobretudo por mim. O ponto é: eu ouvi-o num descapotável (o do meu amigo Borges) e gostei. Mesmo que o ouça em casa – e tem acontecido nestes últimos dois dias – imagino que estou a dar umas voltas no trânsito da cidade.
Por exemplo, agora que estou a ouvir Pela Arte, dos NBC, não estou em frente ao computador no quarto andar sem elevador de um prédio da Estefânia. Não. Fecho o olho direito e estou a atravessar a avenida do Aeroporto, em direcção ao Relógio, no carro do meu amigo. Abanamos a cachimónia. Os nosso cabelos estão um pouco menos discretos do que o cabelo da Wanda Stuart. E, apesar de parecermos gangsters (de trazer por casa, mas gangsters), ainda não fomos mandados parar pela polícia.
Queria dizer-vos, em jeito de nota explicativa introdutória, que a minha relação com o rap nasceu com gente como Ice-T, Public Enemy, De La Soul e – depois - MC Solar. E que considero que o rap português, por aquilo que tenho ouvido, está a safar-se muito bem; aliás, bastante melhor do que muitas das redundâncias no género que nos chegam lá das Américas.
Comecemos pelas críticas. Nem tudo é delicioso em Nação Hip-Hop 2005. Há alguns refrões chatinhos, algumas letras primárias e algumas vozes irritantes (as femininas de Talento Clandestino, de Dealema, por exemplo). Mas o saldo é positivíssimo. Pela quantidade de rapalhadas inspiradas aqui presentes: Conhecimento, de Xeg; Bazamos ou Ficamos?, dos Mind da Gap (óptima para a dança gingona); B.I., de Sam the Kid; Cor de Laranja, de ACE; ou Pela Arte, dos NBC.
O melhor momento do álbum está em Sente o Calor, de D-Mars c/ Melo D e Carla M. Pela originalidade. Pelo ambiente dark e underground que a atravessa. Pelo cruzamento feliz das vozes do vocalista dos Micro, do rapaz Melo e da Carlinha. É a música ideal para passar às 4h37 na festarola de uma cave qualquer.
Nota final para Fim da Ditadura, de Valete. Lembro-me da primeira vez que a ouvi. Foi na Antena 3, durante uma viagem de carro para Sintra. Não, não acreditava no que estava a ouvir. A letra é tão violenta – e tão visceralmente anti-americana – que impressiona até o Hulk que há em cada um de nós. Mas a verdade é que não se pode deixar de reconhecer que é um tema potente. Poderoso. E que isto do rap nada tem a ver com o verbo concordar.
Agora vão mas é dar uma curva – que o disco bem o merece. NCS
(texto anteriormente publicado em A Capital)
1 Comments:
Na 4 classe, os putos mais velhos dos colegios de freiras, trocam discos de rap e hip hop, escrevem e cantam. Um mundo fascinante que me deixa boquiaberto, envelhecido e conhecedor de reservas (ouvidas nas 'partys' do livramento)... preocupado tambem porque os herois sao agora e ja o dr dre, o 50 cent, o eminem, em protugal o boss ac.
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