quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Os dez melhores discos do mundo #2

João Gilberto – Amoroso/Brasil (1978/81)



Miles Davis terá dito um dia, "he could read a newspaper and sound good". Talvez por isso, há muito quem veja em João Gilberto o melhor cantor do mundo. Pela musicalidade e por ter inventado uma forma de cantar (e de tocar no violão) única e que, desde o ano de 1958, quando cantou pela primeira vez o "chega de saudade", muitos têm imitado. O elogio da simplicidade, a escolha do caminho mais claro para chegar à música perfeita, à forma de cantar perfeita. "Melhor que o silêncio só João", cantou o Caetano - confirmando a mesma musicalidade quase absoluta de João Gilberto que Miles Davis havia encontrado.
Tudo começou no final dos anos cinquenta, ou pelo menos foi aí que tudo terá mudado. A invenção do modo de cantar baixo, quase sem vibrato, inspirando-se no mito do "cool", Chet Baker, a batida simplificada, feita no violão, depurando o samba-canção. Tudo isto, mais as sílabas soletradas de modo perfeito, abriu um mondo novo. Esse é, mais ou menos, o essencial da história da bossa-nova. Mas estes dois discos - em cd só conheço a edição em que vêm juntos - já estão para além disso. Estão para além disso, mas ainda partem daí. Antes de mais, o Amoroso. Nele está o João Gilberto que já inventou um mundo novo, passou pelo novo mundo e estará a regressar do "flirt". Covers de vários song-books (´s wonderful, besame mucho ou estate num italiano quase irreconhecível), apropriados e não interpretados ou cantados. Mais umas quantas músicas brasileiras (a melhor versão do wave que conheço) num disco em que o que brilha é a voz, mesmo sobre uma camada de arranjos e orquestrações mais "avançadas", de Claus Ogerman. Ou melhor, aquele modo de cantar e de tocar violão em que a voz é apenas um pretexto para chegar à música destilada. Não sei quantas vezes terei já ouvido este disco, mas faço-o e não consigo nunca encontrar ali nada a mais ou a menos. As coisas no sítio certo, arrumadas, fruto da maturação de quem terá pensado vezes e vezes sem conta antes de ali chegar. Certamente fruto da intransigência (e da exigência) que é característica de João Gilberto, Amoroso é um exemplo acabado de como a sensibilidade absoluta pode ser alcançada pelos caminhos da 'cosa mentale'. Há, por isso, poucos discos simultaneamente tão emocionantes e tão racionais.
Já Brasil é um óptimo disco. Mas está longe dos "dez melhores do mundo". Contudo, funciona muito bem como complemento a Amoroso e homenagem a João Gilberto (que canta acompanhado pelos "novos baianos", Caetano, Bethânia e Gil). E isso é toda uma outra história. PAS

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não é um comentário que quero publicar : é a falta de comentário a este artigo tão decidido e arricado.
Decidido por, sem " pêlos nem agrafos " arriscar incluí-lo nos dez melhores discos do mundo sem que haja margem para dúvidas, na firmeza da escrita, sobre a qualidade e sensibilidade do mesmo.
Arricado por decidir que os discos se podem classificar como os melhores.

Vou arriscar ouvi-lo e decidir firmemente classificar tb. Por agora, resta-me a falta de comentário.

xiu

3:18 da tarde  

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