terça-feira, março 15, 2005

Mar adentro



Na crítica de música é muito importante ser-se independente e imparcial. Sim, já estamos todos fartos de ler textos cheios de facciosismos baratos e preferências gratuitas. Agora que fiz este desabafo, posso finalmente mudar de tema e escrever que, para um ilhéu fanático como eu, um álbum que começa com uma música chamada My Home is the Sea – como acontece com Superwolf, de Matt Sweeney e Bonnie ‘Prince’ Billy - é um excelente álbum. Mesmo sem nunca o ter ouvido. Como é, aliás, o caso.
Vou mais longe. Se o novo álbum do Toy começasse com uma música com este título garantir-lhe-ia à partida uma recensão cheia de elogios, sei lá, na Rolling Stone. (Esperem um pouco; estou neste preciso momento a receber uma chamada do Toy a dizer que acaba de mudar o nome do seu novo disco; vai chamar-se O Mar é a Minha Casa e a Minha Paixão em vez de Duas Rapidinhas no Banco de Trás, como estava previsto; retiro, pois, imediatamente o que escrevi).
Mencionemos de novo este magnífico álbum do rapaz Billy. A minha família está aqui à volta a gritar-me para ouvir o CD antes de acabar este texto, senão, diz a tia Idalina, vou perder toda a credibilidade. Eu bem lhe digo que nunca a tive, mas nesta altura já me está a torturar com um saco de água a escaldar nas costas. Enfim, vai ter de ser. Ok, estou a ouvi-lo neste momento. Humm... nada mau. Bonito. Deixa cá passar para a frente. E esta última. Olha, bem esgalhada, sim senhor. Aprovado.
Posso, então, afirmar com um pouco mais conhecimento de causa – e já com uma dolorosa queimadura nas costas - que o talentoso rapaz do Kentucky não desilude nesta aventura de fim-de-semana com o guitarrista Matt Sweeney (dos Chavez e dos Zwan). O álbum recomenda-se. É belíssimo. E, como acontece normalmente com os discos de Will Oldham (conhecido também por Bonnie “Prince” Billy, Palace, Palace Songs e Palace Brothers) podia figurar no guia michelin dos álbuns tão tristes e angustiados que por pouco não conduzem ao suicídio do desprevenido ouvinte.
Na música que abre esta festa de deprimidos, a versão neoromântica do sport Billy diz que gostava de morrer na boca de um tubarão. Enfim, gostos. Eu preferia morrer em Acapulco a beber uma cervejola ou a assistir às manhãs da TVI. Mas o que interessa é que esta é uma das peças mais intensas que tenho ouvido sobre a ligação de um homem ao mar e ao seu imaginário ao mesmo tempo apaziguador e trágico (calma, apesar do entusiamo poético, prometo não transformar isto numa crónica radiofónica do Fernando Alves).
A outra excepção, para além desse tema mais barulhento (com uma guitarrada épica a partir dos 2 minutos e 33 seguntos), é Blood Embrace, périplo cinematográfico minimal ao qual não falta até uma sussurrada conversa sobre traição entre um uma mulher e um homem. De resto, o álbum segue uma navegação mais lenta e acústica. Neste registo, pelo menos duas músicas ficam no ouvido: Only Someone Running (com uma bonita assobiadela pelo meio) e, sem dúvida, Bed is For Sleeping (uma das maiores mentiras que tenho ouvido nos últimos tempos mas pronto). Agora, se me dão licença, vou fazer o curativo. NCS
(texto publicado no Domingo no jornal A Capital)