Já aqui escrevi uma vez que não me lembro da primeira vez que ouvi o
Leonard Cohen. Mas lembro-me de quando dei porque o
Leonard Cohen existia. Por algumas características que hoje sei reconhecer, mas também por muitas que permanecem para mim indistintas, o Leonard Cohen passou a ser uma das medidas de todas as outras músicas. O primeiro álbum dele que ouvi atentamente quando saiu foi o I’m Your Man, ainda assim, o Cohen de que gosto mais é o que está antes - mas que quando fui ouvindo me pareceu invariavelmente familiar ("muito lá de casa"). Isto para dizer que começei pelo Cohen já a arrastar para a rouquidão, com os sintetizadores (que com qualquer outro cantor seriam de gosto duvidoso) e com os coros a darem-lhe amparo, para só então chegar ao outro. E o melhor do outro é, para mim, este disco - The Songs of Leonard Cohen de 1967/68. Estranhamente o seu primeiro disco. Não se pense que isto quer dizer que se trata de mais um daqueles casos de alguém que não conseguiu ultrapassar o complexo do primeiro álbum (de que provavelmente o exemplo mais acabado são os Stone Roses).
Não, quase todos os discos de Leonard Cohen são absolutamente geniais. Assim, tal e qual. Absolutamente geniais a somarem o sexo à religiosidade. Absolutamente geniais a contarem com amargura o mundo dos homens e, ao mesmo tempo, a fazerem crer às mulheres que aqueles podem ser uns tipos aceitáveis.
The songs of Leonard Cohen tem contudo, sobre alguns dos outros discos, a vantagem de mostrar o Cohen cru, sem mais nada, no osso, destilado. Todos os temas que o ocuparam nos restantes discos já lá estavam e depois não há uma canção que destoe, ou que esteja a mais. Dez canções perfeitas (não por acaso é o disco que tem mais versões no melhor álbum de covers que conheço - I’m your fan), que revelam tudo, como se aos 33 anos (foi um late-comer) já tivesse decidido o que iria fazer daí para adiante. A capa, aliás é disso sintoma: não mostra um jovem. Pelo contrário, procura esconder um jovem. O Ladies' man que já entendeu que tudo o que a partir daqui faria lhe permitira em 2004
cantar(será adequado chamar-lhe isso?):
Because of a few songs
Wherein I spoke of their mystery,
Women have been
Exceptionally kind
to my old age.
They make a secret place
In their busy lives
And they take me there.
They become naked
In their different ways
and they say,
"Look at me, Leonard
Look at me one last time."
Then they bend over the bed
And cover me up
Like a baby that is shivering.
Para além de, entre todas, ter duas canções de que gosto particularmente (Hey, that’s no way to say goodbye - à qual aliás, o Ian McCulloch deu um excelente tratamento, tal como fez também ao Lover, Lover, Lover - e ainda, One of us cannot be wrong), tem uma música que, como nenhuma outra, sintetiza as qualidades de Leonard Cohen -
the stranger song. Intensidade dramática, um romantismo nómada e, no fim, mesmo ouvida um sem número de vezes, um lado desconcertante sobre o essencial. Ficamos sem saber se o segundo "stranger" ainda é um (o mesmo?) homem ou, pelo contrário, a mulher que seria suposto oferecer "shelter" e que agora se torna "stranger". Um pouco como em tudo o resto que se seguiria, em que não mais se encontrará o lugar exacto do homem e da mulher, pese embora a primeira impressão indique o contrário.
(...) And while he talks his dreams to sleep
you notice there's a highway
that is curling up like smoke above his shoulder.
It is curling just like smoke above his shoulder.
You tell him to come in sit down
but something makes you turn around
The door is open you can't close your shelter
You try the handle of the road
It opens do not be afraid
It's you my love, you who are the stranger
It's you my love, you who are the stranger.(...)
Nunca percebi se é mesmo essa a razão, mas sempre quis crer que o facto do copyright de LC ser, depois desse disco, sempre "stranger music" tinha a ver com essa música e que, do mesmo modo que nela eu vi o princípio e o fim de tudo o que ele viria a fazer, também o próprio Leonard Cohen o havia feito. Até porque essa música, bem como todo o disco, tem presente a escolha. A escolha da "one less travelled by", o que como se sabe, fez, nos restantes discos, toda a diferença, designadamente porque poucos músicos fizeram logo ao princípio tudo.
PAS