segunda-feira, maio 30, 2005

Da importância do pão com tulicreme



Ok, é verdade que ultimamente têm sido lançados discos muito bons. Bons demais. Tão bons que até chateia. Tão cheios de rasgo que me sinto obrigado a abrir as janelas para vociferar aos músicos transeuntes: «Parem lá com isso que um gajo quer estar em silêncio com a família». (E a levar, em consequência desse gesto imprudente, com um baixo na marrafa).
Mas nesta chuvarada de discos do catano, há que tentar distinguir o bom do mais ou menos. O que vale mesmo a pena do que não vale assim tanto a pena. O “sim, senhor, foi bom ter trocado umas horas de TV-Shop por isto” do “ora bolas, mais valia ter ficado a ver o Malato”.
Sejamos concretos como o número do défice: o disco do Patrick Wolf é chato. Por vezes, chatarrão mesmo. Um daqueles em relação aos quais só apetece dizer: “Já percebi a ideia e depois?”. E o melhor de tudo é que o disco foi elogiado sem reservas pelo DN e pelo Público. Ah, tirem-me tudo (até os discos dos Chameleons), mas não me tirem o prazer da contradição.
(A propósito: para além das polémicas literárias, devia passar a haver polémicas musicais. Com direito a duelo e tudo. Imaginemos: dois tipos frente a frente. Ao lado de cada um deles, uma aparelhagem. Cada um faria as suas escolhas musicais - até que alguém desistisse perante o génio de DJ do adversário. Do género: «Toma lá os Black Eyed Peas»; «Vê lá mas é se te aguentas com o último da Shakira»).
Alguma seriedade nisto. Wind in the Wires até começa bem, com the Libertine, uma espécie de encontro clandestino entre os Auteurs e Marc Almond. A partir daí, começa a chatice de um disco que vive à custa do flirt entre violinada – e a pianada e a acordeonada - e os sintetizadores.
Não, não se pode dizer que Teignmouth e Wind in the Wires, por exemplo, sejam maus temas. Não é isso. Têm atmosfera (perdoem-me a linguagem de programa sobre bares de província) e o rapazote aguenta-se bem quando puxa pela voz (o Luís Jardim, do Ídolos, iria gostar da voz do menino). O problema é a pose.
Uma pose que se arrasta (é este o verbo) para a música. Uma pose de rapazola que vai à descoberta do mundo e que abusa de tiradas absolutas sobre a necessidade de ser livre e não sei que mais – e por isso absolutamente ingénuas. Ou então afectadas. (A foto da capa do disco é um exemplo máximo de afectação; não deixa no entanto de parecer que foi roubada às paredes de um cabeleireiro de homens da Madragoa).
Eis que chegamos à sexta, The Gypsy King. Aqui é diferente. Aqui o problema não é apenas de pose. É de composição. É de refrão. É de monotonia. É de chatice. A cançoneta Gypsy King, de tão aborrecida que é, chega a fazer desesperar pelos Gypsy Kings. Ao menos tínhamos regabofe garantido.
Até ao fim já não há nenhuma música que salve verdadeiramente o disco - apesar de a última, Lands End, ser uma fuga bem conseguida ao registo soturno e pós-adolescente.
Sejamos, para finalizar a prosa, paternalistas como um ministro das Finanças: Patrick Wolf revela talento para a coisa mas ainda tem de comer muito pão com tulicreme. Ele e aquele outro que também anda muito na moda e que assina como Bright Eyes. NCS
(texto publicado no Domingo em A Capital)

é o máiore!

PAS

sexta-feira, maio 27, 2005

o milagre da transformação


Tal como na tournée anterior (comprem o DVD do Live at Finsbury Park), os New Order andam a tocar um misto de greatest hits com umas quantas dos Joy Division (o que não tinham por hábito fazer, pelo menos em quantidade). O alinhamento do concerto de amanhã não deverá andar muito longe deste (da semana passada em Nova Iorque).PAS

1 Love Vigilantes
2 Crystal
3 Regret
4 Hey Now What You Doing
5 Krafty
6 Transmission
7 True Faith
8 Run Wild
9 Jetstream
10 Waiting For The Sirens' Call
11 Bizarre Love Triangle
12 Love Will Tear Us Apart
13 Temptation
14 She's Lost Control Encore
15 Atmosphere Encore
16 Blue Monday Encore

quarta-feira, maio 25, 2005

Parem as maquinolas

Hoje fazem anos Paul Weller (47) e Clemente (50). NCS

Música para voltar da praia



Tinha o disco cá em casa há uns tempinhos e resolvi, não sei bem porquê (se calhar, estava a precisar de companhia de gente conhecida), pô-lo a tocar por estes dias. Sem parar. Obsessivamente. Enquanto dava retoques num poema, preparava um refogado ou mandava calar o Jorge Coelho. Falo de Up At the Lake, o último álbum (editado no ano passado) daqueles que são conhecidos na imprensa britânica como os “Vale e Azevedo do Norte de Inglaterra”: os Charlatans.
Não sei se vos interessa saber que mantive, em tempos, uma paixoneta dedicada – e, ao que sei, não correspondida - por esta banda. Na altura do boom manchesteriano, era das minhas preferidas. Pensando melhor: todas as bandas da altura (90, 91) eram das minhas preferidas. Desde que tivessem nascido e sido criadas nessa Florença do renascimento musical indie chamada Manchester. (Agora que penso nisso, bem bom que, na altura, o Toy não resolveu ir gravar um disco ao Hacienda; senão teria elogiado esse trabalhinho sem reservas).
O EP The Only One I Know, deu-me, para citar a Dina, a volta à cabeça. Mais tarde, o temazinho Weirdo também – provavelmente porque era aquilo que era e ainda sou. Dançar o Weirdo de uma forma amalucada (agora para citar Eduardo Lourenço) numa pista de dança era a afirmação de uma identidade – algures entre a euforia colectiva madchesteriana e o individualismo lírico/sentimental de quem andava a ler George Trakl entre os rochedos.
Vou dar propositamente um salto sobre a vida atribulada desta rapaziada (isso fica para as artigalhadas mais informativas) e aterrar directamente no melhor deste Up At the Lake. Antes de mais, quero dizer que é um álbum perfeito para ouvir este Verão. Não de manhã. Não à hora do almoço. Up At the Lake é música para ouvir ao fim da tarde, quando se regressa da praia e se sonha com a chegada do duche salvador.
Ignorem as três primeiras músicas do disco (são boas, mas, por serem demasiado inquietas e saltitonas, não servem o propósito). Cry Yourself to Sleep é boa para começar a viagem. Um gajo está a conduzir e sente as costas a escaldar. Isso: precisa de algum aconchego. Na alma, sobretudo. Remédio santo: arranca a cançoneta e, de imediato, começa a rodar o volante de um lado para o outro. Todo contente, pois.
(Façam-me o favor de saltar Bona Fide Treasure, com um gostinho aos Stone Roses de Second Coming - ou guardem-na para o momento em que, no dia seguinte, se dirigem aos areais). Estamos já a ouvir High Up Your Tree, a música ideal para o regresso a casa depois da praia – só comparável a alguns sublimes lados B’s dos Oasis como Talk Tonight e Half the World Away, incluídos em The Masterplan. (Nota: apesar de parecer, este não é o despudorado momento em que o cronista de serviço dá graxa ao oasiano Mendes da Silva).
Loving You is Easy é - toda ela - Beatles, Ride e Oasis. Traz consigo uma bela pianada romântica (óptima para fazermos contas à vida – ou seja, pensarmos nos petiscos que vamos pedir na jantarada depois do duche). Não ouçamos as últimas duas: Apples and Oranges, porque é demasiado barulhenta (e a malta, nessas alturas, prefere o descanso), e Dead Love, porque deprime. Fiquemo-nos por Loving You is Easy - que deve ser consumida quando já se está muito pertinho de casa. É, aliás, a música certa para ouvir antes de estacionar. Isso, se quisermos, voltar a acreditar que tudo é possível. E que a vida sorri.
(texto publicado no Domingo em A Capital)
NCS

terça-feira, maio 24, 2005

... mas não por nós, que lá estivemos

Mais triste que isto só "O Silêncio", o clube, com o seu espectáculo No hay Banda!. Não podia ser mais lynchiano, o cenário onde actuaram ontem os American Music Club: um pequeno palco com o estritamente necessário à frente de uma larga cortina de veludo encarnado. Mark Eitzel surgiu igual a si mesmo - a um pedinte, ou melhor, a um espantalho. Com o chapéu de abas enfiado na careca e a cara inchada pelo álcool dos últimos e longos anos de espera. Mas, quando pegou na guitarra, disse algumas palavras - umas imperceptíveis, outras não -, e começou a tocar, tudo o que se ouviu foi bom. Muito triste e muito bom. Até os ruídos marginais causados pelo mau contacto do cabo do amplificador soaram tão bem. Muito bons e muito tristes. Tal como as canções; Why won't you stay?, Only Love can Set you Free, Another Morning, Patriot's Heart; ou o interlúdio em que Eitzel exercitou outro dos seus talentos - a stand up comedy - acentuando o anti-herói que há em si. O anti-cool, com a graça dura e melancólica de um Lenny Bruce.
É quase impossível escrever sobre a música dos American Music Club sem cair em clichés: anti-heróis, amores que têm tudo para não dar certo, a América nua e crua, a sinceridade e a solidão nas canções intensas e desoladas, próprias daquela hora em que é cedo demais para o circo e tarde demais para os copos. Outside this Bar, Home, Blue and Grey Shirt, Western Sky. Pelo meio, a tal cover de Joy Division (Heart and Soul), e, a fechar, a maior descarga de energia da noite, com uma espantosa música (cujo título desconheço), numa interpretação que cruzou os melhores dias dos Crazy Horse com os últimos do gajo que começou isto tudo: Elvis Presley.
ENP

A banda norte-americana mais subestimada de todos os tempos

Se ocorresse ao Nick Cave gravar um álbum apenas com covers dos American Music Club esse seria o seu melhor disco de sempre;
Depois de ouvir o Mark Eitzel a cantar uma versão do Heart and Soul é que me apercebi que nunca tinha ouvido ninguém a cantar Joy Division ao vivo e que daqui a uns dias isso já terá acontecido por duas vezes;
O mundo visto desde o meu umbigo levava-me a crer que os AMC tinham milhares de fans. Ontem, no Santiago Alquimista, estavam para aí uns duzentos;
Se tivessem tocado o Dreamers of the Dream, tinham tocado todas as músicas do my own AMC personal top-7;
The next song is a sad song, disse o Eitzel antes de uma música. Houve alguma que não fosse?;
Ao vivo percebe-se (ainda) melhor o epíteto de “gutter poet”. PAS

domingo, maio 22, 2005

um blog em estágio

PAS

quarta-feira, maio 18, 2005

Tocado à distância

Faz hoje precisamente vinte e cinco anos que começou a década de oitenta. Faz hoje, dia 18 de Maio de 2005, vinte e cinco anos que Ian Curtis, vocalista dos Joy Division se suicidou. É uma das características fortes da cultura contemporânea: ser marcada pelos seus ícones suicidas. Os setenta tiveram Jim Morrison, os noventa Kurt Cobain e os oitenta, Ian Curtis. E, se olharmos para trás das luzes e do glamour, esta foi uma década dura. A música dos Joy Division é, simultaneamente, o retrato dessa dureza e o princípio do que viria a seguir.
Pense-se na improbabilidade sociológica. Fim dos anos setenta, quatro rapazes de Manchester, uma cidade desinteressante, perdida no Norte de Inglaterra, que se juntam para pegar no que sobrava do movimento punk e, com uma nitidez quase excessiva, preparar a cultura contemporânea, e a música em particular, para o futuro. Mas, depois, pense-se na «condição da classe operária em Inglaterra» no prelúdio da revolução thatcheriana, junte-se-lhe os despojos situacionistas chegados com o grito do baixo materialismo dos Sex Pistols, some-se o lado sombrio da cultura europeia da década de trinta e o acontecimento Joy Division percebe-se melhor. Uma banda que lançou dois álbuns e que, verdade seja dita, apenas com um deles, Closer, o segundo e publicado postumamente, deixou uma marca decisiva para perceber a música dos anos seguintes, os últimos vinte e cinco. continue a ler aqui
PAS

terça-feira, maio 17, 2005

O único inquérito a que interessa responder

Anda aí uma malta a responder a um inquérito sobre livros, ilhas e outras coisas menores. Uma perda de tempo. Por isso, criámos um inquérito – o inquérito QF - em que as pessoas podem finalmente escrever sobre aquilo que é importante para as suas vidas – e para a humanidade, em geral. Aqui vai:

Se tivesses de ser uma lista de cinco músicas, como as do High-Fidelity, qual serias?
cinco músicas para o after surf.
Wave – João Gilberto
F-Stop Blues – Jack Johnson
I’m so tired – The Beatles
I know it’s over – The Smiths
Tomorrow – The Durutti Column

Já alguma vez ficaste apanhadinho por um personagem pop?
S. P. Morrissey.

Qual é a melhor linha de baixo, o melhor riff de guitarra e o melhor break de bateria, que já ouviste?
Se escolhesse apenas uma linha de baixo o Peter Hook ainda se chateava comigo; na guitarra, o riff inicial do Bigmouth Strikes Again, mas ainda mantendo-me no Marr, o riff inicial do (Nothing but) Flowers dos Talking Heads é brutal e muito smithoniano, juntando numa música dois dos melhores mundos (serão só dois?); o break é o "slower but faster" do Stephen Morris no Atmosphere (ou em qualquer outro tema em que ele toque).

Qual foi o último disco que compraste?
Sou dependente, consequentemente compro em quantidade. No último par de semanas, comprei o novo dos Go-Betweens (que é naturalmente tão bom como todos os outros); o Rocky Marsiano (uma ideia que podia ser desastrosa e que já foi tentada, mas que no caso funciona muito bem); os Kaiser Chiefs (um disco de singles, cheio de lalalas sobre os temas que interessam: national express, employment, riots, etc); os B-sides and Rarities do Nick Cave (sobre os quais escreverei e que dá-se o caso de serem melhores que os a-sides que tem feito nos últimos anos); o Patrick Wolf (que praticamente ainda não ouvi); o Marc Leclair (muito bom, mas que acrescenta pouco ao álbum do outro ego dele, o Akufen); os Efterklang (a fazer lembrar o princípio dos Sigur Ros e também os Mum, mas com alguma inovação); Os Czars, muito recomendável; O Jens Lekman (sobre o qual o Nuno já aqui escreveu e que é o disco que o Neil Hannon faria se estivesse outra vez criativo); os Bloc Party (desequilibrado, mas quando se equilibra vale muito a pena e, pelo caminho, ajuda a mostrar que a Inglaterra está de novo a dar cartas) e, claro, os Arcade Fire (que ficam para a próxima questão).

Qual é o último disco a que davas 5 estrelas?
O Funeral dos Arcade Fire. Tem uma energia inicial, ao mesmo tempo poderosa e pesada, que só surge de quando a quando e da qual depende a boa música pop.

Que discos andas a ouvir?
os que comprei nas últimas semanas.

Cinco discos que levarias para uma ilha deserta?
trocava cinco discos pelo meu i-Pod. Não concebo afastar-me meia-dúzia de quilómetros de casa sem muitos discos por onde escolher, quanto mais para uma ilha deserta.

Três pessoas a quem vais passar o testemunho e porquê?
ao Júlio Adler, ao Pedro Mexia e ao Pedro Arruda. Porque compram e ouvem discos.
PAS

Oasis lançam o 2º disco pela 7ª vez e o Francisco gosta

Liam Gallagher's guide to contemporary music:

On Franz Ferdinand singer Alex Kapranos: "He reminds me
of f***ing Right Said Fred. You put on 'I'm To Sexy For
My F***ing Thing' next to their records and I bet you any
money it's the same person. It's the same f***ing person!
He's just gone on the Atkins diet and grown his hair."

On Kaiser Chiefs: "A bad Blur."

On Pete Doherty: "I'm not into smackheads. Smackheads
need slaps. So what does the word Libertine mean? Freedom?
He's f***ing in the corner doing smack with a helmet on
his head. There's nothing free about that."

On Scissor Sisters: "If that's what they call entertaining
then let them have it - bright colours and f***ing weirdos
on stilts? I'm more entertaining than that c***. I'll rip his
f***ing vocal chords out any day because he's f***ing rubbish"

On Bloc Party: "A band off University Challenge, like
they're sitting on a panel or something".

On Charlotte Church: "She could be the next Liam. She's
got a great voice and she f**king has it. She knows how to
get f**king hammered and she freaks people out."

Oasis re-release their second album for the seventh time
and call it the new one next month.
PAS

segunda-feira, maio 16, 2005

Adenda ao texto do Nuno

Compro o novo dos The Go-Betweens (é requisito obrigatório para fazer parte dos Quase Famosos). A minha edição traz um CD bónus, com cinco músicas ao vivo (People Say; Bye Bye Pride; etc). Não ouço o novo de originais, começo pelo bónus e já sei que é (ainda) melhor do que Oceans Apart. PAS

O polémico lá, lá, lá



O novíssimo dos Go-Betweens devia ser tema do Fórum TSF. Ou então do Antena Aberta – o programa que ouço durante o duche (portanto, de duas em duas semanas). Ou ainda do fórum da Rádio Popular – talvez o mais completo e informado de todos. Segundo me é dado perceber, Oceans Apart está a dividir a humanidade. Uns gostam muito. Outros nem tanto. Outros até acham que é assim a puxar para o mauzinho. Presumo que só o cidadão Sá Fernandes está na dúvida. Imagino-o a matutar, entre serrados de papéis, se há ou não motivos sérios para embargar a obra.
Percebo quem tem reservas. É fácil torcer a narigueta perante o segundo tema (ou faixa ou canção ou o que quiserem) do álbum. Tem uns acordes iniciais à REM (faceta mais lamechas) e depois segue a via aparentemente simples e gratuita do “lá, lá, lá” (não confundir com a via sinuosa do “li, ló, lai”). O “lá, lá, lá” (implícito) de Finding You pode assustar o go-betweeniano mais conservador, se quisermos. Porque é bastante mais assumido do que o “lá, lá, lá” de álbums anteriores - que se soltou sem complexos já em 16 Lovers Lane. O mesmo se pode dizer do “lá, lá, lá” (explicíto) do início de This Night’s for You e do “lá, lá, lá” (explícito também) do final de The Moutains Near Dellray, a última canção.
Eu próprio tenho de assumir as minhas dúvidas. As minhas neblinas de inquietação (sim, provavelmente, o título do novo de Lídia Jorge). Já desdenhei do disco. Já o quis comprar. Já o quis levar para uma ilha deserta. Já o quis mandar do quarto sem elevador onde vivo. Já o quis ir buscar lá abaixo. (Não estou sozinho nesta variação de humores; o Nuno Sousa, há uns tempos, no blogue Barnabé, também confessou a confusão de sentimentos). E aqui estou para vos contar as minhas conclusões, sob a forma de uma frase algo complexa (admito): gosto do disco. Não consigo deixar de dizer isto, agora que estou a ouvir a comovente e perfeita baladucha No Reason to Cry.
Repito a declaração esotérica: gosto do disco. Porquê, ó Costa Santos?, pergunta o arrumador do meu bairro. Simples, meu caro Fernando. Porque tem demasiadas canções boas para um tipo estar aqui com coisas. Não, não é só a pessoal e intransmissível No Reason to Cry. É também a anterior, Born to a Family (a minha preferida), Boundary Rider (a fazer lembrar as suaves investidas a solo de McLennan), a Darlinghurst Nights (com o trágico Forster na narração), a cançoneta-borboleta The Statue e mesmo a já referida The Mountains Near Dellray.
Aos Go-Betweens perdoa-se tudo. Até o uso de Brise nas casas de banho. Até o apoio a Avelino Ferreira Torres. Até a compra da revista Choque. Até a escrita de uma crónica de música como esta. E, apesar de tudo, este mundo cínico está a precisar de um certo “lá, lá, lá”. Eu já mandei vir o meu da Amazon – diz que agora há uma promoção. Até os Rammstein estão a pensar encher as suas vidas de “lá, lá, lás”. A minha vizinha de baixo devia seguir o exemplo. Aliás, vou-lhe já passar este suspiro dos australianos. NCS
(publicado ontem no jornal A capital)

quinta-feira, maio 12, 2005

Hipnóticos porreiraços

Sou um Cool Hipnoise do tempo de Funk é Mem’Bom. Da altura do álbum Nascer do Soul (1995). Até fui a um concerto da rapaziada por alturas do lançamento desse belo disquito. Talvez mesmo a dois. Sempre fui à bola (à excepção dos jogos do Atlético, do Sheffield United e do Caracoletas Desportivo Clube) com o vocalista de então, Melo D - que mais tarde vim a encontrar na labuta entre a discalhada de jazz da FNAC. O resto da banda – Tiago Santos, João Gomes, Francisco Rebelo, Paulo Miuños e Nuno Reis - também era fixolas. Ou, para citar o primeiro Popper e o último Espada, «bem bacana».
Do disco inicial ficou-me também a ternura jazzy (um blogue de Vila Real de Santo António) de Ela Era o Meu Estilo e de Blues Mood, o rap-reaggae fraterno (um blogue de Vila Pouca de Aguiar) de Meu Amigo e o neorealismo crioulo (um blogue de Quarteira) de Bairro de Lata. (Nota importante: se não encontrarem estes blogues, é porque foram despudoramente inventados pelo autor da artigalhada; obrigado).
Acompanhei com atenção o rasto destes hipnóticos porreiraços até Missão Groove (1997), álbum que começa com o magnético Groove Junkie. Depois, não sei bem porquê, desapareci do mapa. Fui pregar para outras freguesias. É claro que apanhei algumas notícias posteriores – a mudança de vocalista, o adeus de outros elementos da banda, o tema com a Simone (chatinho), os Spaceboys o disco do Melo D. Os Spaceboys não me emocionaram (sim, sabemos, que nisto da música isso é que é importante) e o do Melo D, apesar de ter ser um bom disco, ainda é nitidamente a procura de um registo próprio. Cada tema é quase uma experiência de estúdio. Esperemos pelo próximo.
Agora temos no mercado um best of, divido em dois CD’s. Não sei o que é se passa com o vosso, mas no meu tenho uma bolinha no canto inferior direito que diz “Edição Limitada – inclui 6 inéditos”. (Ora toma lá, ó confraria da inveja!). E Brother Joe, o inédito que abre o álbum, é das melhores musiquetas - apesar da militância anti-guerra da letra (à qual só falta a irritada menção de mister Bush). Logo a seguir, Dois, com Fernanda Abreu nas cantarolices, é um temazinho simpático – ideal para ouvir em terraços veraneantes.
Ela era o Meu Estilo, Groove Junkie, Meu Amigo e Bairro de Lata estão aqui - alguns dos quais em versões travestidas e bastante inventivas. Uma nota para o remix feito pelos Mind Da Gap de Meu Amigo. Aliás, essas é umas melhores supresas desta embarcação – transporta vários barris de criatividade. Não é um mero conjunto de recortes de croniquetas antigas.
Também há cançonetas mais recentes (de Música Exótica para Filmes, Rádio e TV, por exemplo) onde se percebe que o rapaz Melo é uma personagem demasiado carismática para não se sentir a sua falta - um dos melhores momentos do segundo disco é um inédito chamado Pequenos Vagabundos, cantado justamente pelo próprio. Digamos que Marga Munguambe aguenta bem o barco, mas não deslumbra. Sim, o melhor dos Cool tem mesmo a marca registada do rapaz Melo. Ele merece. NCS
(texto publicado no último Domingo no jornal A Capital)

sexta-feira, maio 06, 2005

slower but faster


à atenção do Rui. PAS

quarta-feira, maio 04, 2005

Depois digo se fiquei bem disposto

Começo o dia a ouvir «Oceans Apart», dos Go-Betweens. NCS

segunda-feira, maio 02, 2005

Afinal, o iPod não é perfeito

Já aqui o escrevi, o iPod é a mais importante invenção do mundo desde o fato isotérmico. Mas ontem, pela primeira vez, aconteceu-me o iTunes não reconhecer a informação de um CD - e já importei muita coisa obscura -, o "music pour 3 femmes enceites" do Marc Leclair, aka Akufen. Ainda para mais um álbum muito aconselhável para acompanhar o trabalho que, sendo muito, me impossibilita de ouvir outras músicas e escrever sobre elas. PAS

Que seca: mais um disco bom



Isto está a ficar uma chatice: todas as semanas sai um disco bom. Corrijo: todas semanas sai um disco muito bom. O que só vem complicar as coisas. Quer dizer, anda aqui um gajo a preparar uma tese à Fukuyama sobre o fim da História da Música (já tem notas de rodapé em carteira e tudo) e aparecem uns tipos quaisquer julgando que têm o direito de lançar obras-primas. Não está certo.
Primeiro vieram os Franz, a provar que ainda é possível criar um som totalmente novo e personalizado a partir de gente como os A Certain Ratio ou os Orange Juice. Depois foi o Antony, com a sua voz sublimemente trágica e indefinível, de fazer chorar até quem julgava que já não tinha coração. E ainda os Arcade Fire, uma fusão originalíssima entre os Pulp e os Go-Betweens. E agora vem um puto sueco de 23 anos chamado Jens Lekman para nos dizer que ainda é possível a surpresa no formato cançoneta romântica. (E eu aqui a pensar que os Magnetic Fields tinham esgotado o assunto no tratado 69 Love Songs).
Já para não falar, é claro, de malta cá da terra (à semelhança da Maria Albertina) como os Humanos, autores de um disco magnífico. (O senhor Júlio da farmárcia falou muito bem do disquito dos Old Jerusalem, só que ainda não o ouvi). Estou mesmo a ver. Daqui a nada transformo-me num daqueles tipos que todas as semanas arranjam uma namorada nova e quando chegam à mesa de snooker lá do bairro gritam para os amigos: “Esta é a mulher da minha vida!”. Ou o Armando da banca de jornais que, depois de se masturbar, chega e diz... Bom, é melhor ficar por aqui.
Para citar Chico Louçã, convém falar claro. O disco da minha vida é, neste momento, When I Said I Wanted To Be Your Dog. Não sei a que raça se refere o Jens, mas presumo – a bem do bom gosto e da decência – que se refira a todas as raças excluindo o caniche e o fedorento da minha vizinha de baixo (não sei qual é a raça mas é uma má raça, com certeza). Escolho o cão de fila de São Miguel. Ou o labrador retriever. Ou então o chiquabukata chi pon li (um tipo de canídeo que só se encontra na Coreia do Norte).
O que está a dar é ser secretamente canadiano (e não, não estou a falar do Leonard, o irmão mais velho dos irmãos Cohen). Sim, trouxe para casa o disco do Jens Lekman porque vi que era editado pela Secretly Canadian, a editora que deu à luz os dois do Antony e dos Johnsons. Só podia vir boa coisa dali.
Não vos quero maçar com descrições poéticas. Era homem para isso. É como nas relações: quando um tipo está apaixonado o melhor é fechar-se em casa e fazer coreografias a solo até à cozinha. Quem é que quer ouvir a descrição pormenorizada sobre o “sublime” tipo de pasta de dentes usado pela Robertinha, manicure em Queluz de Baixo?
O melhor é ser seco na descrição. Penso no disco e vem-me à cabeça: bom gosto; uma voz convincente; boas, muito boas canções; (e talvez sobretudo) letras do caraças. Exemplo 1: «Drinking cheap wine to bossanova, you’re a supernova in the sky. The Jehovas in their pull-overs are no casanovas like you and I”. Exemplo 2: When people think of Sweden I think they have the wrong idea, like Cliff Richards who thought it was just porn and gonorrhoea”.
Às vezes, Jens faz o seu sapateado entre os Divine Comedy e os Magnetic. Mas, tal como todos os que elenquei em cima, acrescenta muito do seu génio - do seu toque de bola. Só me preocupa mesmo o facto de o rapaz ser sueco. A vida é bela. Vá, não te amandes do prédio. Afasta-te dessas lojas de armas, ó Jens. A gente precisa muito de ti. NCS
(texto publicado ontem no jornal A Capital)