sexta-feira, abril 29, 2005

Discos de companhia

Pois, tal como os cães de companhia, há os discos de companhia. Aqueles discos que vamos pondo a tocar quando queremos ler um livro, escrever um poema gótico ou assistir a uma emissão nocturna da TV-shop.

Os meus discos de companhia (que, tal como acontece com os canídeos, sou obrigado a passear ao fim da tarde) têm sido estes:
- The Collection, The Style Council.
- The Sweetest Punch, Elvis Costello/Burt Bacharach/Bill Frisell. (sobretudo este; já ouvi isto mais vezes do que os genéricos da TSF).
- Aguaplano, Paolo Conte.
- Essential, The Very Best of Terry Callier.

Há um disco que tenho ouvido em loop, mas que não posso considerar um disco de companhia. Ainda estou apaixonado por ele. É o "When I Said I Wanted to Be Your Dog", de Jens Lekman. Preparo, aliás, uma tese de doutoramento sobre o senhor. Se souberem de algum orientador disponível, digam. NCS

Grupos que ninguém conhece

Nos repastos do Quase Famosos não se fala de gajas, da auto-motor, do fim da história, dos cartazes do Carrilho, do programa do Goucha, do paradeiro do primeiro-ministro, da dona Amerinda, do 2.esq., ou do Pinilla. NCS

terça-feira, abril 26, 2005

O musicalmente correcto



É: já não bastava a ditadura do politicamente correcto. Agora ainda temos de levar com a ditadura do musicalmente correcto na cachimónia. Um tipo já não pode curtir uns Oasis ou um Robbie Williams à vontade. Antes disso, tem de pedir licença a uma espécie de PIDE musical que dita o que convém ouvir e o que não convém ouvir. O que convém elogiar e o que convém desancar. Em nome dos bons costumes melómanos.
Ainda hoje tenho variadíssimas nódoas negras por ter comentado em público que me tinha comovido com duas ou três composições de um indivíduo com ar de presidiário armado ao artista chamado Gary Jules (sobretudo uma, Umbilical Town). Na altura, encostaram-me à parede e levei pontapés em todas as partes do corpo de uma rapaziada que eu tenho por amiga. Não fiz o que eles queriam – não pedi desculpa pelo “equívoco” – e, por isso, acabei na sala de espera do banco do hospital. A ouvir, como não podia deixar de ser, o enfermeiro Kenny G.
(Convém distinguir esta situação dos guilty pleasures. Porque é fácil assumir os guilty pleasures nos salões e nas casas de chá. Qualquer doutorado em música tem-nos. Fica bem dizer-se, por exemplo, que se tem por hábito bater o pé ao som dos Bee Gees, dos Abba ou do José Cid; isto a que me refiro não é um guilty pleasure; é algo de que se gosta sem qualquer culpa ou angústia). Temo, pois, que vou ser vítima de assassinato pela mesma rapaziada quando escrever que fui bastante à bola com o primeiro álbum de um puto americano chamado Amos Lee.
A minha sorte é que o gaiato não é nada conhecido por estas bandas (ao contrário do Gary) e que assina pela Blue Note – uma editora do mais musicalmente correcto que há. O álbum é uma mistura apaziguadíssima de soul e folk. O Amos tem uma vozinha que tanto pode fazer lembrar um Al Green como um Stevie Wonder – e, às vezes, até o próprio. Não é inovador, não vai marcar a História da música, não vai ser elogiado nas colunas indie, mas eu gosto. (Ó José Anastácio, aponta lá a bazuca para outro lado).
O disco dá-me, acima de tudo, muita calma. Ouço-o e deixo de ter vontade de ir provocar estragos irreparáveis na tertúlia do SIC-10 Horas. E, além do mais, é bom para a asma. O que dá jeito - agora que o Governo decidiu cortar na comparticipação de medicamentos antiasmáticos. É isso: um gajo ouve o disco do Amos Lee e fica sem bronquite. Devia ser receitado nos consultórios.
Aqui e ali, Amos não disfarça: estamos perante a mais desavergonhada música de engate. Ao longo do álbum, vai-se transformando num Barry White sem overdose de afrodisíacos. Ouça-se, por exemplo, Arms of a Woman para perceber isso. Outras musiquetas contra a asma: Keep it loose, keep it tight, Seen it all before e Love in the lies. O último fôlego do guerreiro é All My Friends, um dos mais ternurentos hinos à amizade que tenho ouvido – e que aproveito para dedicar a todos os amigos que estão agora a cortar o meu corpo aos bocadinhos e a preparar o tempero para a churrascada. Ao menos, guardem alguma coisa para mim. NCS
(texto publicado ontem no jornal A Capital)

sexta-feira, abril 22, 2005

Telegrama

Onde é que andavam os Arcade Fire? (ou onde é que eu andava que só agora dei por eles!). PAS

quarta-feira, abril 20, 2005

Ah Camané

Ainda tive na mão CD’s dos Kasabian, dos The National, dos Thrills e dos Koop. Mas resolvi começar o dia ao som de Acordem as Guitarras. NCS

Back to the Haçienda


Se querem ouvir o Pedro Oliveira a fazer de Ian Curtis e a rapariga dos Gift armada em Shaun Ryder, é irem hoje ao Frágil, assistir às Manchester Mad Remixes. A hora é desconhecida, mas se for uma repetição do concerto dado no Lux, aquando do lançamento do 24 Hour Party People, vale a pena ficar acordado até um pouco mais tarde. PAS

Muda de sexo


Ó amáveis detractores, ó furibundos leitores, deixem-me partilhar convosco duas descobertas recentes na minha angustiada existência. Ambas emergiram desse poço obscuro e geralmente pouco asseado (onde nenhum WC Pato consegue chegar) que é a alma humana. E surgiram numa altura em que estava a ouvir o disco I am a bird Now, de Antony and the Johnsons. Confirma-se: com este Toni todo o cuidado é pouco.
Sim, ao ouvir a primeira cançoneta, Hope There´s Someone, descobri algo de muitíssimo grave: que ainda tenho sentimentos. Que, apesar de ser politicamente um liberal, tenho alojada no corpo uma coisa chamada coração. Dá para rir, eu sei. Mas não gozem, por favor. Eu sou pai de uma criança de oito meses.
E há mais, amiguinhos. Ao ouvir For Today I am a Boy, descobri outra dimensão oculta. Não, não é tão chocante como essa história de ainda ser capaz de me comover (nada é tão chocante quanto isso). Descobri que um dia destes ainda vou mudar de sexo. Eu sei, não surpreende: é uma banalidade, uma desilusão, mas mesmo assim tinha de vos contar tudo.
Percebi que a ideia de mudar de sexo até era porreirinha quando dei por mim a cantar entusiasmadamente uma letra que podia constituir o refrão do Hino do Transexualismo. Isto: «One day I’ll grow up and be a beautiful women/ One day I’ll grow up and be a beautiful girl». Portanto, faço aqui um pedido. Já que não consigo falar com filho (ou a filha) do Nené, peço-vos para me arranjarem o número da Roberta Close. (O dono de uma casa de strip em Massamá contou-me que agora há umas promoções nos telefonemas para o Brasil).
Para quem não sabe, o Antonieto é um rapazola nascido nas Inglaterras, mas que cedo emigrou para as Américas. Foi descoberto num bar nova-iorquino por um tal de Lou Reed – aquele que esteve na Casa da Música, não sei se conhecem. Vem do universo dos cabarets. Não percebo, aliás, por que é que o Carlos Castro ainda não o convidou para Gala dos Travestis, realizada todos os anos no São Luiz. Às vezes, o Carlinhos tem cada coisa.
Todo ele é uma voz do outro mundo. Entre o masculino e o feminino. Entre – dizem os entendidos em canto - Bryan Ferry e Nina Simone. Eu vejo mais a fusão entre o timbre de um Zé Adelino e o vibrato de uma Lady Marluce Barlof – presença antiga nas noites de Terça no Finalmente. Que atinge um dos seus pontos mais altos no gospel intenso e triste de Fistfull of love.
Presumo que tenham amigos que aconselham o melhor para as vossas viduchas. Será por isso escusado anotar que, apesar de todos os perigos para a saúde do desprevenido ouvinte, estamos perante um clássico. O primeiro era bonzinho (apesar de trazer um tema intitulado Hitler in my heart - o que não deve ser lá muito confortável), mas I am a bird Now é capaz de já ser, pela originalidade da sua beleza, um dos álbuns da década. Não exagero.
NCS (texto publicado no Domingo em A Capital)

terça-feira, abril 19, 2005

Um post especialmente dedicado ao nosso comentador residente

Acid Mothers Temple, Add N to X, Anti Pop Consortium, Aphex Twin, Ash Ra Tempel, Babes in Toyland, Beggars Opera, Clinton, The Creation, Dead Kennedys, Deee-Lite, The Deviants, Digable Planets, East of Eden, Electric Prunes, The Eternals, Fantastic Plastic Machine, Flying Saucer Attack, Frupp, Funkadelic, Funky Four Plus One More, Gang Starr, Hatfield and the North, Henry Cow, Hyper-On Experience, Incredible String Band, Isotope 217, June of 44, Kreidler, Konk, Lightin' Bolt, Loop Guru, Guru Guru, Mars, Material, Maytals, Meat Beat Manifesto, The Modern Lovers, Moondog, Naked City, Naughty by Nature, Neu!, The Nice, Parliment, Pigeonhed, The Pop Group, Porno for Pyros, Pram, The Rapture, The Rising Storm, Rocket from the Crypt, Rocket from the Tomb, Los Samplers, Savage Republic, The Slits, Sly and Robbie, Spacemen 3, Squarepusher, Super Furry Animals, Silver Apples, Slint, Sylvester, Spookie Tooth, Tall T and the Touchers, The Teardrop Explodes, Theorectical Girls, Third Eye Foundation, Timebox, Trans Am, Trouble Funk, Tower of Power, The United States of America, The Upsetters, Van Dyke Parks, The Ventures, War, Was (not Was), West Coast Pop Art Experimental Band, Weezer, Yellow Magic Orchestra...

Agora é só mandares as cassetes que eu gravo.

ENP

terça-feira, abril 12, 2005

O Egas e o Beck*



Sim, eu sei que o vocês queriam era que eu fizesse uma análise erudita do hino do PSD. Ou então que vos dissesse que os My Bloody Valentine estão enfiados num estúdio a gravar a sua versão noisy de Guerreiro Menino, a já mítica banda sonora da Era Santana. Eu sei que vocês queriam era que eu vos informasse que Marques Mendes, no seu estilo pequeno-saltitão, foi chamado para substituir Bez nos concertos dos Happy Mondays.
Mas não. Não vou por aí – embora tenha ouvido na bicha para o multibanco que é tudo verdade, verdadinha. Façamos antes outra coisa. Voltemos a aterrar no final do texto da semana passada. Assim na maluca. Lembram-se? Depois de ter sido atacado por todas as doenças elencadas nas emissões da TV-Saúde, saí de casa para ir tirar satisfações com as donas que me levaram a sonhar que o último álbum dos canónicos New Order valia mesmo a pena.
Sobre o desenlace do episódio só tenho a anotar o seguinte: não sabia que a dona Carmelinda e a dona Lubélia tinham trocado as reuniões na igreja por um workshop da Junta intitulado Kick Boxing para a Terceira Idade. Para evitar mais humilhações, falemos, finalmente, de música. Do último álbum do Beck - que, se tivesse tido juízo na mioleira, devia ter ouvido primeiro do que a chatice dos últimos New Order. Bronco.
(Nota importante para quem chegou até aqui: o João Lisboa não gostou nada deste álbum. Explicou as razões no Expresso da semana passada. Eu vou cometer a heresia de contrariar a opinião dessa espécie de Harold Bloom da música alternativa. O que me vai custar imenso. Percebo, portanto, quem queira ficar por aqui). O álbum é muita bom. O João Lisboa não percebe nada disto. Guero é mais uma rambóia criativa do rapazito californiano que tem a mania irritante de lançar obras-primas como Odelay. O que é notável para alguém que disse adeus à vida de solteirão - e inclusivamente passou a ser um, responsabilidade das responsabilidades, progenitor encartado.
E-Pro, a primeira, é capaz de meter até a Manuela Ferreira Leite a dançar. Podia falar da energia da bateria. Prefiro, em vez disso, chamar a atenção para este facto do nosso tempo: já não se ouvia uma guitarrada tão ritmada desde aquele passanço épico de António Carrapatua, guitarrista residente na Taberna do Fadista Vadio (ali em Alfama). Depois vem Qué Onda Guero, talvez a minha preferida - com uma instrumentação do tipo Up Bustle and Out em viagem por terriolas da América latina. É tão boa. Só de ouvi-la dá vontade de sair pelas ruas a assaltar.
Hell Yes é um rapzinho bem sacado que consegue a mais improvável das proeza: juntar, a partir de certa altura, o som dos Chemical Brothers com uma gaita de beiços. Broken Drum é uma baladinha etérea à Sea Change. Scarecrow é típico Beck. Como hei-de dizer?: música para descer a rua com estilo e um cigarrinho no canto da boca. Não perceberam? Eu também não. Ouçam, portanto. Rental Car parece um tema que ficou em carteira desde a altura de Midnite Vultures. Got it Alone e Farewell Ride, essas, têm um ambiente entre o blues e os espirituais negros e sei lá mais o quê. Mas o melhor é ficar por aqui. Porque com este Beck é tanta a misturada que um gajo nunca sabe o que é que está a ouvir.NCS(texto publicado no Domingo no jornal A Capital)

*mero trocadilho inconsequente que o autor do texto achou por bem fazer

Shaun Ryder está vivo


Há duas ou três coisas que só a Inglaterra consegue produzir. A conjugação de uma revolução industrial a tempo com uma classe operária como aquela que os livros previam, é responsável por uma delas: a música pop alta e inconsequente. Os Kasabian é isso que fazem. A linhagem é facilmente identificável: Manchester anos 80. Nada de novo. O álbum abre, aliás, com Club Foot, que começa no riff de guitarra onde ficaram os Stone Roses em Love Spreads. Depois, é sempre a happy mondaysar. Tudo cantado naquele jeito de "garganta fodida" (FMS, 2005), meio arrastado e chunga que só o norte inglês consegue produzir. Mas há uma diferença. É que se é verdade que dá para perceber claramente o que andaram a ouvir, os Kasabian, um pouco à imagem dos Franz Ferdinand, não se limitaram a repetir os truques do costume, apropriaram-se do bom lixo e deram-lhe umas vestes novas. Soa a usado, mas é absolutamente novo. Ou muito me engano, ou estes tipos vão animar muita festa e muita viagem de carro. Isto para dizer que o disco de estreia dos Kasabian é uma merda de disco. Mas uma merda muito boa e que me parece um óptimo pretexto para os Quase Famosos voltarem a fazer uma festa. Para ser claro: se o Shaun Ryder estivesse vivo era este disco que andava a fazer. PAS

sexta-feira, abril 08, 2005

A banda americana mais subvalorizada de sempre


Os American Music Club tocam no Porto, dia 22 de Maio, na Casa da Música (o que quer dizer que todo o dinheiro gasto na sua construção está agora justificado) e depois em Lisboa, no Santiago Alquimista, no dia 23. Há também um novo CD, ao vivo, resultado de um concerto dado em Novembro passado. Se o alinhamento dos concertos for semelhante ao do álbum, pode-se mesmo dizer que é quase como se os Smiths viessem cá tocar. Quase. PAS

1. Why Won’t You Stay?
2. Gratitude Walks on 6th St.
3. Only Love Can Set You Free
4. Another Morning
5. Johnny Mathis’ Feet
6. Patriot’s Heart
7. Job To Do
8. Home
9. Myopic Books
10. Amusing Interlude # 1
11. Blue And Gray Shirt
12. Outside This Bar
13. Western Sky
14. Amusing Interlude #2

quarta-feira, abril 06, 2005

A culpa é das donas



Dois CD’s novos ainda no saco: Waiting for the Sirens’ Call, dos New Order, e Guero, de Beck. O que é que se deve ouvir primeiro? O melómano está indeciso. Sente-se o filho do Nené na altura da mudança de partido. O Freitas do Amaral no momento da mudança de sexo. Não sabe qual a escolha a fazer. E, como é normal quando se tomam as grandes decisões para as nossas vidas, isso angustia-o muito.
O melómano lembra-se dos seus deveres. Sabe que devia começar pelo álbum dos New Order. Por uma questão de respeito. De reverência. Ouvir hoje os New Order é como fazer uma visita a uma tia-avó que nos deu conselhos fundamentais na adolescência. Que, sentadinha na sua poltrona de veludo, nos disse com toda a serenidade do mundo se devíamos incendiar o carro da professora de Geografia ou sequestrar o professor de História. Mas o melómano sabe que vai sofrer se não gostar nem um bocadinho daquilo que os manchesterianos honorários andam a fazer. (O que o conforta minimamente é ter ouvido a conversa entre a dona Carmelinda e a dona Lubélia sobre o disco: «Estão melhores, bem melhores! E aquele rapaz, o Bernard, sabes, o filho da Maria Adelina e do Zé Bento, continua um pão»).
Com o Beckzinho está mais descansado. O rapazola nunca o desiludiu. Mesmo no último, o álbum das baladas, capaz de fazer chorar qualquer um. Há quem diga que até Putin foi apanhado em lágrimas enquanto, no silêncio do seu gabinete no Kremlin, entoava o Lost Cause. O melómano resolve então armar-se em Francisco Assis a entrar em Felgueiras. Pode levar pancada da população inteira, pode perder os óculos, pode apanhar umas bofetadas na fronha, mas vai ser homenzinho suficiente para tirar o álbum dos New Order do saco. Ai, vai, sim senhor.
(Pausa de 56, 53 minutos). Caos. Tragédia. Horror. Albarran, regressa que és necessário. Traz um médico também. Uma equipa de médicos, aliás. De todas as especialidades. Psiquiatras, cirurgiões, até gente que domina a ortodontia. O melómano está deitado no chão do escritório e sofre de todo o tipo de sintomas. Confirma-se. O álbum é mesmo fracote. Ou é mediano - o que no caso dos New Order quer dizer fracote.
O pior é que carregou sem querer no repeat. Teme não conseguir sobreviver à sequência Who’s Joe?, Hey Now What You Doing e Waiting for the Sirens Call. Uma das sequências iniciais mais chochas de que se lembra. Musiquinhas que nada acrescentam. Com refrões entre a chatice e a pirosice. É que nem o baixo saltitante de Peter Hook as salva. Ajudem o melómano, por favor. Mais soro - que este não basta.
Chega krafty, a quarta, e ele volta a respirar – não é o melhor New Order mas ouve-se. Abre os olhos, mas não por muito tempo. Fecha-os logo a seguir, para uma soneca. (O que não deixa de ser muito grave. Já viram o que é adormecer quando se vai visitar a tia-avó ao lar?) Ainda é acordado pela engraçaducha Jetstream, com a participação de Ana Matronic, dos Scissor Sisters. Mas rapidamente volta à valsa do ressono.
A historieta chega ao fim quando o melómano, ao fim de umas quantas horas, consegue levantar o corpanzil do chão e meter a tocar o disquinho do rapaz Beck. Isso mesmo: é ao som da rufienta Qué Onda Guero que sai de casa para ir tirar satisfações com a dona Carmelinda e a dona Lubélia. NCS
(texto publicado no Domingo no jornal A Capital)

sexta-feira, abril 01, 2005

Porque Manchester existe para lá de todos os hypes

Se eu só pudesse ter um dos 357 discos de The Fall, The Complete Peel Sessions seria a minha escolha. São seis CDs com as gravações feitas ao longo de mais de vinte anos pelos dois principais elementos desta banda: Mark E Smith e... John Peel.



(na impossibilidade de encontrar um mp3 dos Fall, deixo a tocar no gira-discos do lado Elvis Presley com Viva Las Vegas)

ENP

Diggin' em Berlim (2)

Para a posteridade, aqui fica a colheita berlinense:
Can, Radio Waves, LP (krautrock, muito, muito à frente)
Al Casey, Surfin' Hootenanny Game, LP (surf pop)
The White Stripes, Electronics Have got the Best of Me, LP (Peel Session)
V/A, The Sound of Young New York II, LP
The Sugarhill Gang, Rapper's Delight, Máxi (o princípio do hip hop numa 2ª edicção de 1980)
The Sonics, Boom, LP ( puro rock-and-roll)
Suicide, Suicide, LP (o punk antes do punk)
Tangerine Dream, Zeit, LP (1ª edicção - aquilo a que os diggers chamam um Holy Grail, para mais comprado na cidade em que, há mais de 30 anos, foi gravado )
Big Black, Songs About Fucking, LP (hardcore)
The New Dimensions, S/T, LP (surf)
The Free Design, Kites are Fun, LP (soft psych/surf)
Pere Ubu, Dub Housing, LP (protopunk pelos mestres de Clevland)
James Taylor and the Original Flying Machine 1967, S/T, LP (mellow/coutry rock)
V/A, Beach Bash, LP (surf)
ZZ Top, Rancho Texicano, CD (arena rock/guilty pleasure)
Black Sabbath, Black Sabbath, LP
The Ventures, Surfing, CD (surf)


ENP

Diggin' em Berlim

O melhor disco de Lou Reed; a terra natal dos Tangerine Dream (um grupo cujos quatro primeiros álbums são venerados tanto por mim como pelo Julian Cope); local de exílio de Bowie e Iggy Pop; casa europeia da techno e da house; objecto de uma das músicas da idade da puberdade; nome do grupo que canta Take my Breath Away; e mais que agora não me ocorre; Berlim é uma das cidades que fazem parte do imaginário pop, rock, o que lhe quiserem chamar.

Para ficar a conhecê-la, ainda que superficialmente, andei pelas ruas, conheci pessoas, senti os cheiros, observei os hábitos e visitei algumas lojas de discos. Neste último capítulo, a capital de um dos mais pujantes mercados, prometia não desiludir. E assim, certo que me iria dar bem, reservei a manhã de sábado para dedicá-la a um desporto favorito: diggin' ou, por palavras, remexer escaparates e prateleiras de discos à procura de tudo aquilo que for possível encontrar.

O tempo disponível, embora pouco, deu para conhecer sete lojas diferentes. Em três delas (Melting Point, Space Hall e Har Wax), por depressa perceber que se destinavam aos techno geeks, limitei-me a entrar e sair; numa outra, devota de um modelo que vai proliferando por todo o lado (uma Fnac em alemão), também não gastei muito tempo. Passando às restantes, dedicadas em especial ao vinil, susceptíveis, pois, de agradar àqueles que, como Steve Albini, têm por lema "fuck digital, the future belongs to the analog", a melhor é, sem hesitação, Mr Dead & Mrs Free. Dirigida por um casal, ao que pude constatar, bastante livre e ainda vivo, que - coisa rara em Berlim - falava um inglês perfeito, esta casa com paredes cobertas de capas de LP e memorabilia vende sobretudo reedições em importações americanas, inglesas e japonesas. Muita coisa dos anos 60 e 70, da surf music ao protopunk estilo Nuggets, passando por belíssimas secções de funk e da outrora chamada race music (a soul dos primórdios). Infelizmente, foi a primeira que visitei, pelo que me contive nas compras. Não fossem os alemães desta ainda algo estranha Alemanha avessos a certos usos neoliberais, mantendo o comércio aberto para lá das quatro da tarde, e outro teria sido o peso da minha mala de regresso. Da Mr Dead para a Cover, um gigantesco barril do lixo, atulhado, desarrumado e pouco funcional. É a dificuldade em imaginar a existência de alguma coisa que interesse num sítio destes que faz do diggin' uma actividade estimulante - descobrir submerso naquela tralha o disco que há muito se procura dá um prazer acrescido -, e eu, em aflitivo contra relógio, por entre Sandras, Sabrinas, Samanthas e outras aberrações dos queridos anos 80, tive a sorte de desencantar uma edição em LP de Songs About Fucking dos Big Black, só e mais nada, um dos poucos discos que trazia na minha lista mental de compras. Last and, yes, least, vem a Scratch Records. Uma alternativa menos boa à Mr Dead & Mrs Free, onde jazem razoáveis catálogos de tudo o que de bom a Jamaica exporta, maxis de hip hop old school e bandas sonoras série b a z.


Mr Dead & Mrs Free

Em suma, no que a lojas de discos respeita, Berlim não é Londres, nem Nova Iorque, nem Tóquio (a Meca dos vinyl junkies). Mas, para quem até nem é especialmente exigente, não vai mesmo nada mal.

ENP