Música para aturar os amigos
Não, esta Feist não abandonou, como Pedro, o CDS-PP nem apoiou na corrida o malogrado Santana. Esta Feist não vai também participar em nenhum musical cheio de luzinhas, elevadores e lantejoulas com os irmãos Nuno e Henrique e aquela rapariga de cabelo azul chamada Wanda (Stuart). Esta Feist limitou-se a gravar um álbum chamado Let it Die, depois de ter andado a cantarolar com os Broken Social Scene e de ter feito «coisas bonitas» (no sentido arturjorgeano do termo) no último disco dos Kings of Convenience. A canadiana Leslie podia, no entanto, ser a ovelha ranhosa da família Feist. A prima meia marada que os clãs têm de aturar na ceia de Natal.
Recuperemos os vários tipos de música que existem no mercado. Há, por exemplo, a música de elevador, a música de cama, a música de enterro, a música de comício, a música de strip chunga da Baixa da Banheira, a música que os vizinhos gostam de passar no domingo de manhã, a música que se ouve quando se vai fazer uma ressonância magnética, a música de génerico de programa sobre ciclismo. E ainda há a música para aturar os amigos (sim, aqui “aturar” é escrito com toda a ternura possível). Aquele tipo que serve mais para criar ambiente e ajudar à conversa solta e divertida do que para ser seguida de ouvidos - e caderninho de apontamentos - abertos. Ora, é isso mesmo que fez a nossa Feist. Música para ouvir quando temos amigos a jantar lá em casa. Em vez de Clemente, Anjos, Thievery Corporation ou Richard Clayderman, põe-se a tocar Feist. E a vida sorri.
Porque a verdade é que o disquito, tão aclamado pelas recensões dos Prados Coelho lá da terra deles (sei lá, Inglaterra, França, Lituânia, Chelas), não traz nenhuma canção memorável - marcante. Feist é, acima de tudo, a sua voz. Uma voz ainda à procura de um tom. Que ora se afirma no seu suave virtuosismo ora se transfigura em vários registos conhecidos. Temos a Feist Lisa Ekdahl, a Feist Stina Nordenstam, a Feist Fairground attraction ou mesmo a Feist PJ-Harvey (em When I Was a Young Girl). Sim, uma edição do Chuva de Estrelas organizada pela Sónia Fertuzinhos.
Sejamos justos: o disco ouve-se bem. E, para além de um outro original agradável, como o saltitante Mushaboom (bom para pôr a tocar quando os amigos são macambúzios e gostam de citar César das Neves) e Let it Die (ideal para o fim de noite, quando o Martini já se acabou e as vozes ficam tão arrastadas como os passos), traz algumas simpáticas versões de temas de Ron Sexsmith (Secret Heart) e dos Bee Gees (Inside and Out) – recomendável para levar para o escurinho da despensa aquela amiga ou aquele amigo, digamos, mais coloridos.
Diz-se que em princípios de Maio a menina vem cá tocar a Gaia e a Lisboa. Óptima altura para convidar amigos e amigalhaços para ir em matilha aos concertos. Estou a ver o filme: a Leslie sobe ao palco, começa a cantar a primeira musiqueta e a malta, alegre e galhofeira, faz um daqueles piqueniques à antiga. NCS (texto publicado ontem no jornal A Capital)