Da importância do pão com tulicreme
Ok, é verdade que ultimamente têm sido lançados discos muito bons. Bons demais. Tão bons que até chateia. Tão cheios de rasgo que me sinto obrigado a abrir as janelas para vociferar aos músicos transeuntes: «Parem lá com isso que um gajo quer estar em silêncio com a família». (E a levar, em consequência desse gesto imprudente, com um baixo na marrafa).
Mas nesta chuvarada de discos do catano, há que tentar distinguir o bom do mais ou menos. O que vale mesmo a pena do que não vale assim tanto a pena. O “sim, senhor, foi bom ter trocado umas horas de TV-Shop por isto” do “ora bolas, mais valia ter ficado a ver o Malato”.
Sejamos concretos como o número do défice: o disco do Patrick Wolf é chato. Por vezes, chatarrão mesmo. Um daqueles em relação aos quais só apetece dizer: “Já percebi a ideia e depois?”. E o melhor de tudo é que o disco foi elogiado sem reservas pelo DN e pelo Público. Ah, tirem-me tudo (até os discos dos Chameleons), mas não me tirem o prazer da contradição.
(A propósito: para além das polémicas literárias, devia passar a haver polémicas musicais. Com direito a duelo e tudo. Imaginemos: dois tipos frente a frente. Ao lado de cada um deles, uma aparelhagem. Cada um faria as suas escolhas musicais - até que alguém desistisse perante o génio de DJ do adversário. Do género: «Toma lá os Black Eyed Peas»; «Vê lá mas é se te aguentas com o último da Shakira»).
Alguma seriedade nisto. Wind in the Wires até começa bem, com the Libertine, uma espécie de encontro clandestino entre os Auteurs e Marc Almond. A partir daí, começa a chatice de um disco que vive à custa do flirt entre violinada – e a pianada e a acordeonada - e os sintetizadores.
Não, não se pode dizer que Teignmouth e Wind in the Wires, por exemplo, sejam maus temas. Não é isso. Têm atmosfera (perdoem-me a linguagem de programa sobre bares de província) e o rapazote aguenta-se bem quando puxa pela voz (o Luís Jardim, do Ídolos, iria gostar da voz do menino). O problema é a pose.
Uma pose que se arrasta (é este o verbo) para a música. Uma pose de rapazola que vai à descoberta do mundo e que abusa de tiradas absolutas sobre a necessidade de ser livre e não sei que mais – e por isso absolutamente ingénuas. Ou então afectadas. (A foto da capa do disco é um exemplo máximo de afectação; não deixa no entanto de parecer que foi roubada às paredes de um cabeleireiro de homens da Madragoa).
Eis que chegamos à sexta, The Gypsy King. Aqui é diferente. Aqui o problema não é apenas de pose. É de composição. É de refrão. É de monotonia. É de chatice. A cançoneta Gypsy King, de tão aborrecida que é, chega a fazer desesperar pelos Gypsy Kings. Ao menos tínhamos regabofe garantido.
Até ao fim já não há nenhuma música que salve verdadeiramente o disco - apesar de a última, Lands End, ser uma fuga bem conseguida ao registo soturno e pós-adolescente.
Sejamos, para finalizar a prosa, paternalistas como um ministro das Finanças: Patrick Wolf revela talento para a coisa mas ainda tem de comer muito pão com tulicreme. Ele e aquele outro que também anda muito na moda e que assina como Bright Eyes. NCS
(texto publicado no Domingo em A Capital)