terça-feira, março 29, 2005
segunda-feira, março 28, 2005
os gajos são assim tão bons?
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Uma pergunta sem ofensa: alguém pode contar como é o álbum dos Kasabian? Vários cidadãos experimentados asseguram-me que é a melhor coisa que ouviram desde o primeiro disco de Marante. Gostava de saber mais. Façam comentários, mandem emails ou cheques. Preciso de decidir se vou ou não às compras esta semana. NCS
Discalhada vária
No outro dia, o meu filho de sete meses chegou a casa com os seus dois primeiros discos debaixo do braço (também trouxe a Marineide, uma namorada brasileira, mas isso fica para outra vez). À partida, não achei mal. Disse-lhe apenas para ter cuidadinho se não iria acabar como o pai – submerso em centenas de CD’s à deriva, órfãos das respectivas caixas. Ou seja: agarrado à música. Incapaz de pintar as unhas, fazer sapateado ou assistir ao Spa’s da Marisa sem ter a aparelhagem ligada. Nem que seja a tocar o Best Of do Paulo Gonzo.
Mas o pior é que os discos eram estes: On the Beach, de Chris Rea, e uma coisa chamada Cristopher Cross. Passei-me. A mãe da criança ainda me tentou acalmar explicando que o rapaz havia recebido os CD’s no 9.º Passeio Avós e Netos (sim, o meu sogro levou o petiz às costas), integrado na meia-maratona de Lisboa. Esta é para a organização do evento: não andem a fazer mal ao meu filho! Antes tivessem oferecido, sei lá, o Morangos com Açúcar (Série 2). Antes ouvir o “Descobrir Horizontes”, de um Ménito Ramos, ou o “Ainda Acredito”, de uma Patrícia Candoso, do que esta discografia nocturna de rádio de província (é claro que escrevo isto com todo o respeito para com a rouquidão patológica do senhor Rea; recomendo-lhe as antiguinhas pastilhas Bimil, que em tempos curaram o vocalista dos Deacon Blue).
Feito o aviso, avancemos. Chegados a este ponto da nossa relação, é altura de vos contar toda a verdade: hoje vamos ter um programa diferente. Aqui ficam as notas pascais sobre alguma da tralha sonora que tenho em cima da mesa do computador:
1 - Nunca saberemos se Rufus chegou a pedir a Tom Chaplin (a carinha dos Keane) para ter uma noite louca e diferente no Ibis do Saldanha, mas a verdade é que Want Two é um álbum satisfeito e apaziguado. E cheio de belíssimas cançonetas. Como “The One You Love” – uma homenagem inconsciente aos Auteurs - e “Gay Messiah”, um slow que podia muito bem encerrar as noite do Trumps.
2 – Os Daft Punk em Human After All estão muito, muito chatos. Façam um favor aos rapazes. Desliguem-nos das máquinas por uns tempos.
3- Depois de uma primeira audição, pode dizer-se que o último álbum de Moby não se devia chamar Hotel, mas sim Pensão Dafundo (ou coisa do género). Safam-se a energia de “Lift me Up” – sem o piroso “oh, lá, lá, lá, lá” final – e sobretudo a suave (e absorvente) versão de “Temptation” dos New Order.
4 - O que é que querem?, o génio do trimeste que se esconde atrás do nome Bright Eyes ainda não me convenceu. Sim, o talento e a tremura na voz estão lá. Mas nota-se que lhe falta alguma vida - e não apenas sexual.
5 – Lamento informar, mas quem ainda não ouviu a música de um grupo chamado The Arcade Fire não merece continuar entre os vivos. (Adeus, dona Lurdes e cão Juca, do 2.º andar). O álbum justamente chamado Funeral é a melhor coisa que se tem ouvido por aí. Uma reunião de condóminos improvável com os Pulp e os Apartments presentes. Descobri há dias que eles são do Quebec. O que é mais ou menos como descobrir que os Joy Division afinal eram de Alverca.
NCS (texto publicado em A Capital no domingo)
quarta-feira, março 23, 2005
Surfar todos os dias cansa
Todos nós temos um amigo surfista. Até o Ramalho Eanes deve ter um amigo surfista. Mais: até a Maria Gabriela Llansol deve ter um amigo surfista. Nem que seja o Rodrigo Herédia – que, segundo as revistas, é amigo de meio mundo. Eu tenho vários amigos surfistas – alguns dos quais vêm do tempo da adolescência. Surfistas que passavam a vida a ler Kierkegaard e Yeats, mas ainda assim surfistas (é claro que faço estas referências cultas só para não alienar todo o meu prestígio já no primeiro parágrafo).
E quem é amigo de surfista durante a adolescência sabe que mais cedo ou mais tarde vai fazer o papel de namorada de surfista. Sim, mais cedo ou mais tarde o amigo de surfista vai ficar durante horas dentro do carro e em intermináveis passeatas no meio dos rochedos à espera que o surfista acabe de subir e descer ondas. Há quem dê em louco. Há quem dê em maricas. E há quem dê em poeta, como é o meu caso (que, segundo o que se diz por aí, é uma mistura dos dois primeiros).
E o que é que faz um amigo de surfista quando entra na casa dos 30? Começa a ouvir música de surfista. Ora, um dos mais renomados representantes da chamada música de surfista é um tipo chamado Jack Johnson – também ele surfista, nascido no Havai. Johnson vem ao Coliseu, no próximo dia 21 de Maio. Escusam de ir tentar comprar bilhetes nos sítios normais porque esgotou. Quem quiser estar durante horas rodeado de rapariguinhas loiras (as verdadeiras namoradas de surfistas) tem de ir à candonga. Não se preocupem com a possibilidade de levarem uma sova por ciúme. A surfística rapaziada estará toda a adorar o homem que faz para milhares de pessoas aquilo que um surfista engatatão (passe o pleonasmo) costuma fazer ao fim da tarde na praia: tocar músicas para conquistar miúdas.
Johnson gravou três álbuns. O último, In Between Dreams, acaba de sair. Confesso: não convence tanto como os primeiros, Brushfire Fairytales e On and On. Ainda ontem, um amigo (talvez o único que não é surfista) disse que se não conhecessemos os primeiros e só ouvíssemos In Between Dreams, provavelmente o disco passar-nos-ia ao lado. Perante afirmação tão certeira, não quis ficar atrás e comentei - enquanto erguia a bica e o rissol - que este podia ser um primeiro álbum de Jack Johnson, anterior a Brushfire. Parece que o talentoso havaiano resolveu voltar a surfar umas ondas antigas quando já estava quase a chegar à praia.
O registo é mais ou menos o mesmo: músicas suaves, entre o blues, o funk e o hip hop de fim de tarde, com a solarenga voz de Johnson por cima. Mas, para irmos directamente ao assunto, os dois primeiros álbuns têm melhores músicas. Quem ouve «Inaudible Melodies» (do primeiro) não se esquece da canção – e é capaz de passar o dia a repeti-la (no meu caso, dada a minha falta de voz, levando à letra o título). O mesmo se passa, por exemplo, com «Times like these», «Traffic in the sky» e «Wasting Time», de On and On. Em «In Between Dreams» é tudo mais fácil, às vezes quase banal.
As melhores música talvez sejam «Breakdown» e as duas últimas, «Do You Remember» e «Constellations». Também há pelo meio uma música de engate: a curtinha Belle, cuja letra é «Oi lienda/ Bella che fa?/ Bonita, bonita que tal/ But belle/ Je ne comprends pas francais/ So you’ll have to speak to me/ Some other way». Não, não sabia que Jack, um exímio letrista, tinha convidado Zezé Camarinha para escrever umas coisas. NCS (Texto publicado no Domingo em A Capital)
terça-feira, março 22, 2005
Mojo risin'
Segundo reza a história, New Orleans é a terra onde nasceu o Jazz. Mas, New Orleans, é também a terra do mais famoso Mardis Gras, onde as miúdas erguem a camisola para mostrarem as mamas em troca de um colar de contas, a terra do Voodoo, e, last but not least, a terra onde foi gravado um dos mais fantásticos discos de sempre.
(Gris-gris, Dr. John, 1968)
ENP
(Gris-gris, Dr. John, 1968)
ENP
segunda-feira, março 21, 2005
quinta-feira, março 17, 2005
Músicas simples
A recensão do DN-mais ao novo álbum, In Between Dreams, entre alguns tímidos elogios, terminava dizendo que "Jack Johnson continuava preocupado demais em transpor a sua prancha para as seis cordas". A coisa como defeito. Ou seja, aquilo que faz de Jack Johnson, Jack Johnson e o que o tornou entretanto um fenómeno de massas pode ser defeito.
In Between Dreams, é certo, não acrescenta nada por relação a Brushfires e On and On. Se calhar não é bem assim. Tem uns momentos ligeiramente menos acústicos e umas tentativas de fazer diferente - maxime até um tema quase bossa-nova, num arriscado português. Mas no essencial não acrescenta nada. E não acrescentar nada significa que tem as mesmas canções simples, directas, vindas do meio de uma enorme calmaria.
Podemos perdermo-nos em complexificações e gostarmos do que exige de nós atenção a outras linguagens. Mas há um prazer, que é invariavelmente nítido, pelo que é simples, no osso, sem delongas. As coisas como elas são. In Between Dreams é apenas isso. A descrição da matéria de que são feitas as coisas que fazem a vida simples. As memórias e o tempo arrastado que fica para os sonhos.
Ouça-se o disco, veja-se, por exemplo, como Breakdown, uma colaboração de Jack Johnson com os Handsome Boy Modelling School, surge aqui despida de sofisticação e de sobre-produção, para soar fácil. Depois, claro, tem músicas que antecipam os dias de Verão – Better together; No other way; Do you remember; Constellations. "Pedradas de calor" para nos lembrar que "somos crianças feitas para grandes férias". E claro, tudo aquilo soa a surf, cheira a surf, sabe a surf e isso faz, naturalmente, toda a diferença. Não é surf music, mas são 14 canções das antigas onde a prancha a deslizar nas ondas é feita música. Parece pouco. Mas não é. PAS
quarta-feira, março 16, 2005
Nas festas do Quase Famosos #2
Corre-se o risco de ouvir mais isto:
(Hate to Say I Told You So, The Hives)
ENP
(Hate to Say I Told You So, The Hives)
ENP
Nas festas do Quase Famosos #1
Corre-se o risco de ouvir isto:
(The Message, Grandmaster Flash and the Furious Five)
ENP
(The Message, Grandmaster Flash and the Furious Five)
ENP
Who ever she is
There's always something left inside here
I've really nothing much to lose
It seems so sentimental
Why should I care?
Somewhere the sound of distant living
Welcomed in high society
It seems so artificial
Why should I care?
Oh ho ho
Life can be cruel
Life in Tokyo
Oh ho ho
Life can be cruel
Life in Tokyo
Another vehicle heads for sunset
No other providence will do
They're only buildings and houses
Why should I care?
Oh ho ho
Life can be cruel
Life in Tokyo
Oh ho ho
Life can be cruel
Life in Tokyo
(Life in Tokyo, Japan/Giorgio Moroder, 1979)
Para a nossa leitora em Tóquio.
ENP
maravilhas do after-party
Como apontador de homens de fato e gravata, DJ de serviço na hora em que passou Billie Jean e, a espaços, zelador da mobília (e costumes) da casa Europa versão quando-o-Out-se-torna-In, sinto-me, de certa forma, implicado no delicioso bate-boca entre esta juventude.
Não se zanguem. Para a próxima será de casaca, haverá um palco com elevador tipo bombeiros e eu prometo pôr um slow para dançarem cheek to cheek.
ENP
Não se zanguem. Para a próxima será de casaca, haverá um palco com elevador tipo bombeiros e eu prometo pôr um slow para dançarem cheek to cheek.
ENP
terça-feira, março 15, 2005
Mar adentro
Na crítica de música é muito importante ser-se independente e imparcial. Sim, já estamos todos fartos de ler textos cheios de facciosismos baratos e preferências gratuitas. Agora que fiz este desabafo, posso finalmente mudar de tema e escrever que, para um ilhéu fanático como eu, um álbum que começa com uma música chamada My Home is the Sea – como acontece com Superwolf, de Matt Sweeney e Bonnie ‘Prince’ Billy - é um excelente álbum. Mesmo sem nunca o ter ouvido. Como é, aliás, o caso.
Vou mais longe. Se o novo álbum do Toy começasse com uma música com este título garantir-lhe-ia à partida uma recensão cheia de elogios, sei lá, na Rolling Stone. (Esperem um pouco; estou neste preciso momento a receber uma chamada do Toy a dizer que acaba de mudar o nome do seu novo disco; vai chamar-se O Mar é a Minha Casa e a Minha Paixão em vez de Duas Rapidinhas no Banco de Trás, como estava previsto; retiro, pois, imediatamente o que escrevi).
Mencionemos de novo este magnífico álbum do rapaz Billy. A minha família está aqui à volta a gritar-me para ouvir o CD antes de acabar este texto, senão, diz a tia Idalina, vou perder toda a credibilidade. Eu bem lhe digo que nunca a tive, mas nesta altura já me está a torturar com um saco de água a escaldar nas costas. Enfim, vai ter de ser. Ok, estou a ouvi-lo neste momento. Humm... nada mau. Bonito. Deixa cá passar para a frente. E esta última. Olha, bem esgalhada, sim senhor. Aprovado.
Posso, então, afirmar com um pouco mais conhecimento de causa – e já com uma dolorosa queimadura nas costas - que o talentoso rapaz do Kentucky não desilude nesta aventura de fim-de-semana com o guitarrista Matt Sweeney (dos Chavez e dos Zwan). O álbum recomenda-se. É belíssimo. E, como acontece normalmente com os discos de Will Oldham (conhecido também por Bonnie “Prince” Billy, Palace, Palace Songs e Palace Brothers) podia figurar no guia michelin dos álbuns tão tristes e angustiados que por pouco não conduzem ao suicídio do desprevenido ouvinte.
Na música que abre esta festa de deprimidos, a versão neoromântica do sport Billy diz que gostava de morrer na boca de um tubarão. Enfim, gostos. Eu preferia morrer em Acapulco a beber uma cervejola ou a assistir às manhãs da TVI. Mas o que interessa é que esta é uma das peças mais intensas que tenho ouvido sobre a ligação de um homem ao mar e ao seu imaginário ao mesmo tempo apaziguador e trágico (calma, apesar do entusiamo poético, prometo não transformar isto numa crónica radiofónica do Fernando Alves).
A outra excepção, para além desse tema mais barulhento (com uma guitarrada épica a partir dos 2 minutos e 33 seguntos), é Blood Embrace, périplo cinematográfico minimal ao qual não falta até uma sussurrada conversa sobre traição entre um uma mulher e um homem. De resto, o álbum segue uma navegação mais lenta e acústica. Neste registo, pelo menos duas músicas ficam no ouvido: Only Someone Running (com uma bonita assobiadela pelo meio) e, sem dúvida, Bed is For Sleeping (uma das maiores mentiras que tenho ouvido nos últimos tempos mas pronto). Agora, se me dão licença, vou fazer o curativo. NCS
(texto publicado no Domingo no jornal A Capital)
segunda-feira, março 14, 2005
Europa, 11 de Março de 2005
"If you dance, you'll understand the music better."
David Byrne, Mundo (circa 1983)
A festa, Europa (11/12 de Março de 2005)
David Byrne, Mundo (circa 1983)
A festa, Europa (11/12 de Março de 2005)
quinta-feira, março 10, 2005
os dez melhores discos do mundo #3
Joy Division – Closer (1980)
Dos discos que ouvia muito quando tinha 15, 16 anos, este, juntamente com os dos The Smiths, é aquele que mais ouço. Ouço e não encontro nada de novo, nem nada que hoje desgoste. É um dos dez melhores discos do mundo. Nesta e em qualquer outra lista que eu leve a sério. Closer é também dos discos mais duros que conheço. A música que nele está não foi feita para passar o tempo ou para o prazer. Foi para a inquietação, para nos desassossegar. Um verdadeiro soco no estômago. Nitidez foi o que MEC encontrou nos Joy Division. O disco é disso mesmo que padece: excesso de nitidez. Desde a abertura, com Atrocity Exbhition, que tem aquele ritmo quase doentio, mas sem ponto de fuga, até ao fim com Decades, tudo é sempre nítido e claro. Não trata as coisas por metáforas ou com outros nomes. Diz-nos exactamente o que elas são e como são. No meio de todo o negrume, o que há são sinais de vitalidade, de relação com as coisas cruéis.
O disco, como lembra também o MEC, tem dois lados. O CD também. As primeiras cinco músicas servem para definir o modo, o lugar exacto. A segunda metade do disco, que começa com o Heart and Soul, já revela a banda em busca de algo mais, mais perto e ao mesmo tempo procurando ultrapassar a reverência ao absoluto. Como que numa legenda à capa de Peter Saville. O branco, que no vinil ocupava uma área mais adequada, e no meio a fotografia. Uma fotografia despojada, mas sobre a morte, a dor e a solidão. Clareza, luz e os opostos. Sem meias palavras. Ao mesmo tempo, todas as dúvidas condensadas em músicas. "Existence - well what does it matter?/I exist on the best terms I can/The past is now part of my future/The present is well out of hand --/ Heart and soul - one will burn --".
Claro que há também a música. A música em si, esquecendo a palavra. Closer, e os Joy Division, têm a lógica do Punk. Melhor, tem a parte boa do que, em 1980, sobrava do Punk: a raiva, a voz dos que estão de "fora" e a simplicidade de processos. Mas a isto acrescentam a densidade que ninguém no Punk ousou (ou foi capaz) e o cantar sofrido sobre uma estrutura incatalogável e idiossincrática. Aliás, em Closer já aparecem elementos que não apareciam antes (por ex. em Unknown Pleasures) e que reapareceriam em força nos New Order (maxime os teclados), mas a imagem de marca é, era, foi, será aquela secção rítmica que soa à Joy Division. E, sobre tudo isso, a voz do mais trágico dos ícones da pop, Ian Curtis. Um rapaz suburbano, que aparentava ter acabado de chegar dos meios intelectuais da Europa central dos anos 30 e que cantava cada palavra com toda a angústia e raiva do mundo.
Além do mais, os Joy Division são mais uma boa razão para se desconfiar da sociologia. Como é que é possível que quatro rapazes duma cidade desinteressante, perdida no norte de Inglaterra, na ressaca do Punk se tenham juntado para fazer esta banda e para fazer o que esta banda fez?. Mais estranho ainda é o que os três sobreviventes fizeram depois, ao formarem os New Order, na mais improvável das transformações de sucesso da história da música - pelo meio provando que a salvação deles e a felicidade de quem os ouvia, dependia do desaparecimento de Ian Curtis. A partir daí, a redenção foi feita a dançar.
A maior parte da música decente que tem sido feita, anda a apanhar os cacos que estes rapazes deixaram. A maior parte da música que ouço serve-me também para isso. PAS
Dos discos que ouvia muito quando tinha 15, 16 anos, este, juntamente com os dos The Smiths, é aquele que mais ouço. Ouço e não encontro nada de novo, nem nada que hoje desgoste. É um dos dez melhores discos do mundo. Nesta e em qualquer outra lista que eu leve a sério. Closer é também dos discos mais duros que conheço. A música que nele está não foi feita para passar o tempo ou para o prazer. Foi para a inquietação, para nos desassossegar. Um verdadeiro soco no estômago. Nitidez foi o que MEC encontrou nos Joy Division. O disco é disso mesmo que padece: excesso de nitidez. Desde a abertura, com Atrocity Exbhition, que tem aquele ritmo quase doentio, mas sem ponto de fuga, até ao fim com Decades, tudo é sempre nítido e claro. Não trata as coisas por metáforas ou com outros nomes. Diz-nos exactamente o que elas são e como são. No meio de todo o negrume, o que há são sinais de vitalidade, de relação com as coisas cruéis.
O disco, como lembra também o MEC, tem dois lados. O CD também. As primeiras cinco músicas servem para definir o modo, o lugar exacto. A segunda metade do disco, que começa com o Heart and Soul, já revela a banda em busca de algo mais, mais perto e ao mesmo tempo procurando ultrapassar a reverência ao absoluto. Como que numa legenda à capa de Peter Saville. O branco, que no vinil ocupava uma área mais adequada, e no meio a fotografia. Uma fotografia despojada, mas sobre a morte, a dor e a solidão. Clareza, luz e os opostos. Sem meias palavras. Ao mesmo tempo, todas as dúvidas condensadas em músicas. "Existence - well what does it matter?/I exist on the best terms I can/The past is now part of my future/The present is well out of hand --/ Heart and soul - one will burn --".
Claro que há também a música. A música em si, esquecendo a palavra. Closer, e os Joy Division, têm a lógica do Punk. Melhor, tem a parte boa do que, em 1980, sobrava do Punk: a raiva, a voz dos que estão de "fora" e a simplicidade de processos. Mas a isto acrescentam a densidade que ninguém no Punk ousou (ou foi capaz) e o cantar sofrido sobre uma estrutura incatalogável e idiossincrática. Aliás, em Closer já aparecem elementos que não apareciam antes (por ex. em Unknown Pleasures) e que reapareceriam em força nos New Order (maxime os teclados), mas a imagem de marca é, era, foi, será aquela secção rítmica que soa à Joy Division. E, sobre tudo isso, a voz do mais trágico dos ícones da pop, Ian Curtis. Um rapaz suburbano, que aparentava ter acabado de chegar dos meios intelectuais da Europa central dos anos 30 e que cantava cada palavra com toda a angústia e raiva do mundo.
Além do mais, os Joy Division são mais uma boa razão para se desconfiar da sociologia. Como é que é possível que quatro rapazes duma cidade desinteressante, perdida no norte de Inglaterra, na ressaca do Punk se tenham juntado para fazer esta banda e para fazer o que esta banda fez?. Mais estranho ainda é o que os três sobreviventes fizeram depois, ao formarem os New Order, na mais improvável das transformações de sucesso da história da música - pelo meio provando que a salvação deles e a felicidade de quem os ouvia, dependia do desaparecimento de Ian Curtis. A partir daí, a redenção foi feita a dançar.
A maior parte da música decente que tem sido feita, anda a apanhar os cacos que estes rapazes deixaram. A maior parte da música que ouço serve-me também para isso. PAS
terça-feira, março 08, 2005
Ah a santa terrinha
Antes de mais nada, uma pergunta: alguém viu os meus discos do Josh Rouse? É que já dei doze voltas à casa – inclusivamente fui ver ao armário onde costumo arrumar os bróculos, os cachecóis e os números antigos de O Dia – e não encontro o raio dos CD’s. Refiro-me a Under Cold Blue Stars e 1972. Se alguém os tiver em seu poder, é favor de os devolver de imediato. Se vierem cá trazer ao escritório até daqui a meia hora, ganham o direito a duas beijocas na testa dadas pelo meu filhote de seis meses (sei que não é irrecusável, mas é o que se arranja por agora).
Não encontro os antigos. Portanto, não posso fazer brilharetes comparativos tipo «o segundo acorde da primeira música é igual ao quarto da quinta do penúltimo álbum». Mas tenho aqui à minha frente Nashville, o último trabalho (sim, leram bem, escrevi trabalho) do cachopo. Ouvi o álbum 236,2 vezes. O meu vizinho Arnaldo – um senhor de 82 anos que é do Belenenses e anda fascinado com a “edição Pimpinha” da Maxmen – já sabe todas as músicas de cor. Chegámos à mesma conclusão (desculpem desde já os termos demasiados eruditos que vou utilizar a seguir): o álbum é porreiro. Minto: o álbum é porreirinho. Ouve-se bem do princípio ao fim. Não é do caraças. Ou seja: talvez não seja tão inatacável como aqueles dois CD’s que eu não consigo encontrar, mas um gajo quando acaba de o ouvir não tem vontade de dizer: «Ganda seca, man» ou «o chavalo não anda bem». Nashville é Josh Rouse. E – meus amigos – Josh Rouse é Josh Rouse (perdoem-me esta mania de ser tão minucioso nas apreciações).
Imaginem uma brisa agradável numa tarde em que estão 42 graus e há bicha na ponte. Aí têm o álbum. Sim, o rapaz, desde há um tempo para cá, está numa de homenagens. Homenageou no disco anterior os perigosíssimos seventies (fê-lo com extremo bom gosto; de passagem: sou fã do registo The Office do teledisco de Love Vibrations). Agora resolveu resolveu fazer uma ode à santa terrinha. À cidade do Tenessee que o viu nascer para a música - e para as cáries. Josh, agora a viver na terra de Almodovar, Bardem e de el Saramago, resolveu chorar os lugares e os sentimentos com que se fez um homenzinho. Copiou, pois, o exemplo de Tó Nando - que, quando se mudou na semana passada para a Penha de França, compôs o Fado da Picheleira.
Músicas preferidas? Winter in the Hamptons – que, segundo meio mundo e o próprio cantautor (sim, leram bem, escrevi cantautor) é um plágio de Smiths, mas que me faz lembrar imenso os Go-Betweens de 16 Lovers Lane (pausa de cinco segundos para deixar cair três lágrimas de nostalgia), Streetlights e as baladas Saturday e Sad Eyes (esta podia muito ter o subtítulo “tudo-o-que-eu-te-dou –tu-me-dás-a-mim-mix”), que no início parece – mas é que parece mesmo – o coleguinha Rufus Wainwright a cantarolar ao piano. Mas tenhamos calma. Não nos estiquemos. Porque – regressando àquele estilo pormenorizado, de que peço mais uma vez desculpa - Josh é Josh. E Rufus é Rufus. Como Ryan é, salvo indicação em contrário, Ryan. NCS
(texto publicado no último domingo em A Capital)
quinta-feira, março 03, 2005
Maximilian Hecker
Sentimental, intimista, romântico, no fio da navalha para o piroso (o que sendo alemão é fácil). Mas ouve-se e depois quer-se ouvir outra vez. Como se os Radiohead voltassem a querer soar bem ou os Sigur Ros não se tivessem tornado assim como que para o chato. É o que agora ando a fazer. Alterno o Rose com o Lady Sleep e aviso toda a gente, do mesmo modo que me avisaram a mim, que é para comprar, para ouvir de manhã à noite, de mão dada com a mais que tudo, a pensar nela, ou a pensar em quem ela seria, quando não a temos. Maximilian Hecker é o nome. Se querem andar de boas relações com a vida é comprar. PAS