Não foi a primeira vez nem vai ser a última. Quis encontrar um álbum («April», o primeiro dos Old Jerusalem) no meio da tralha e não o encontrei. Ainda por cima o disco é emprestado. Por isso, antes que me dê uma fúria estival, deixo aqui registado em letra de imprensa: meus amigos, não me emprestem mais discos. Eu não mereço os CD's que vocês (generosos melómanos) me emprestam.
(Aproveito para agradecer ao wedding presentiano Ricardo Esteves Correia a ajuda que me deu na arrumação de quase toda a minha discalhada; num serão de Julho, entre cervejas e diletâncias várias, arrumámos a parte sonora da casa – ou seja, os 546 discos que estavam fora das caixas). Agora vou ter de escrever sobre «Twice the Humbling Sun», o segundo álbum deste senhor idoso de Jerusalém, sem ter o outro por perto – e assim poder realizar um zapping entre estas duas lacrimejantes obras. (Já viu a minha vida, dona Arlete?)
Antes de mais, convém notar que alguns dos meus grupos preferidos fazem noutras paragens aquilo que Francisco Silva faz nestas lusitanas terras: contar histórias num tom
folky e baladeiro. O meu grupo preferido neste registo (e talvez mesmo em termos absolutos) são os bem conhecidos Red House Painters. É difícil ser tão suave e sublimemente trágico como o ressacado Koselek. (Recentemente, tive uma paixão pelos My Morning Jacket, do Kentucky – sobre os quais, curiosamente, nunca ouvi falar em Portugal).
Passemos a zona da rebentação. Depois de ouvir e reouvir «Twice the Humbling Sun», afirmo aquilo que nunca ninguém afirmou em toda a história da crítica de música: é um belo disco. É, sim senhor. E digo isto fazendo questão de anotar um dado importante: é um belo disco em qualquer parte do globo. Ou seja: não é «bom para português» (como se costuma comentar nas esquinas). É bom ponto. Tem qualidades. Comove.
O álbum começa com 180 Days – musiqueta que se afasta um pouco do registo base (faz lembrar, imaginem, os velhinhos Ultra Vivid Scene, uma banda da 4AD). O Joy of Seeing You, a segunda, ainda é também uma espécie de aquecimento. Monocórdica, a contrastar com os supostos sentimentos alegres revelados no título.
O disco (na sua linha dominante, digamos assim) só arranca mesmo à terceira. Chubby Mounds, no seu dedilhado de cordas e na sua melodia etérea, faz sonhar até a minha vizinha de baixo. Segue-se Earlier the Lake Today (a minha preferida – até na letra; «tuck your breasts inside the bra, a naughty look I know you saw»). O disco prossegue porreiraço com A Reasonable Way of Thinking Things e One, I Should Know You. Seasons é, sem dúvida, um ponto alto – na sua esvoaçante beleza melancólica. Por outras palavras: um gajo fica a pensar na vida.
A Feast of Our Communion (sim, mais uma canção sobre relações) traz-me à memória os Mojave 3. E a última, Finally for Me, recorda-me os Jesus and Mary Chain, na sua versão slow (numa construcção, digamos, mais abstracta e complexa – aliás essa abstracção das composições de Francisco Silva é uma das melhores características do grupo). E, para mim, isso é um óptimo sinal. Até porque os Old Jerusalem mantêm a sua serena originalidade no meio da catrefada de influências.
NCS (o rapaz de t-shirt preta bla, bla, bla).
(texto anteriormente publicado no jornal A Capital)PS – Entretanto, já encontrei «April» (que traz, por exemplo, Stroll, toda ela um programa de bom gosto). Estava, juntamente com o «Best Of» dos Kinks e a compilação da Les Inrockuptibles «Le Retour du Rock», dentro de um dos sofás da sala (queria ter levado para a festarola pelo menos estes dois últimos CD's). Mantenho, no entanto, o que escrevi: não me emprestem discos. Mesmo. Obrigado sou eu.