39 Beacon Blue Pl.
De Tom Waits gosto de tudo. Não porque todos os seus discos sejam grandes discos – assim de repente, lembro-me de alguns menos extraordinários, como o primeiro Closing Time (leve, demasiado leve), Frank Wild Years (muito Weilliano para o meu gosto), One from the Heart ou os últimos Alice e Blood Money – mas, porque em todos eles sem excepção se respira o ar contaminado por um pecado carregado de dignidade – discos bêbados e desconsolados, na primeira fase (à qual chamo a fase Edward Hopper); discos teatrais, estranhos e cacofónicos, na segunda.
Waits distingue-se musicalmente por ser um inovador que parte dos géneros da grande tradição americana - o jazz, o songbook, o blues, o country - para algo de que quase só ele é capaz, e distingue-se liricamente pela capacidade de criar personagens, ambientes e lugares, peças de uma neverending story da low life na América.
Destaco os lugares. Os lugares são importantes na obra de Tom Waits. Os seus discos são, também, discos de lugares: da Nova Iorque onde vive à Califórnia onde nasceu, toda a América - a real e a que acontece na sua cabeça – é sónica e poeticamente percorrida, transmitindo a quem ouve sensações que apenas in loco seria espectável experimentar: o frio gelado de uma estrada do Wisconsin, a tristeza das ruas e avenidas desoladas na madrugada, a ressaca num motel bera, a fome que é morta numa roullote em Malibu, o cheiro agonizante de uma qualquer imunda Chinatown, as saudades da New Orleans onde nunca se esteve, o bebop mal pago que sai das portas da Rua 42, a frustração num bordel da downtown de Mineapolis, a magia da Las Vegas que não existe, um beco no Harlem, a solidão numa bomba de gasolina ou a desesperança numa doca pouco iluminada. Lugares incógnitos em Estados esquecidos, qualquer sítio onde haja bourbon ou rum para ajudar a esquecer que o dia seguinte é apenas um dia a mais para queimar. É o sonho americano virado do avesso - a América como ela também é.
No mês que começa depois de amanhã, será lançado o novo disco de Tom Waits. Não sei (embora duvide) se o que aí vem está ao nível de um Heartattack and Vine, de um Raindogs ou de um Bone Machine. Mas mau não é de certeza. Desta vez parece que não teremos direito ao piano que andou a beber, mas não faltará a voz de um Louis Armstrong funky inspirada pelos espíritos encruzilhados de Cole Porter e Captain Beefheart.
ENP